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A Experiencia de ler “Reportagens” de Joe Sacco

Nunca fui muito de ler quadrinhos, não porque não gosto, mas porque ao longo dos anos fui desenvolvendo interesses maiores por outros gêneros. Quando a Companhia das Letras anunciou o lançamento de Reportagens do premiado e mundialmente famoso, Joe Sacco, fiquei bastante interessada, pois o volume traz um compilado de histórias de refugiados africanos em Malta, de mulheres viúvas Chechenas, de contrabandistas palestinos e criminosos de guerra e suas vítimas, no qual Joe retrata todos os horrores, as condições sub humanas, o espantoso número de genocídios, a miséria e a desesperança das minorias.

Vi nisso a oportunidade de sanar a ausência de leituras do gênero e também conhecer um pouco do estilo e da obra de Sacco. Porém não se trata de um quadrinho comum, não são histórias fictícias ou apenas baseados na realidade, são relatos jornalísticos verídicos onde o autor uniu suas duas habilidade e criou o que ele chama de mídia em quadrinhos.

Estou acostumada a jornais (em todas as suas variações) ou documentários em vídeos. Aqui, o tom dado a narrativa não foge das características jornalísticas, mas a proposta de Sacco em reportar através de desenhos e diálogos em balõezinhos de certa maneira nos aproxima das histórias. Digo isso porque o que é contado no papel foi visto da perspectiva real do jornalista e sob a sua sensibilidade.

A quem diga que esse método minimiza a objetividade do jornalismo tradicional e que aliar o texto à contornos e linhas que formam rostos e feições subjetivas, influencia o julgamento do leitor.

É certo afirmar que nesse tipo de mídia, na associação do desenho com o texto existe uma linha de pensamento e julgamento já formada. Em contraponto, a leitura nos instiga a interpretar e compreender a história em si e a visão do autor sobre aquilo que foi visto e dito e não apenas o que foi “capturado” pelas lentes de câmeras.

É possível perceber que Sacco é mais empático com os relatos das vítimas e ele é constantemente questionado sobre a adoção dessa visão subjetiva. Segundo ele, as histórias que ele escolhe são aquelas que raramente são vistas ou ouvidas. Ele afirma que a mídia em quadrinhos não o deixa confinado ao tradicional e que essa inflexibilidade o leva a fazer escolhas, ou seja, não há imparcialidade quando se tratam de vítimas.

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Como já sinalizou a premissa, Reportagens reúne relatos sofridos que foram originalmente escritos há alguns anos e publicadas em revistas e jornais de renomes mundiais. Infelizmente, são fatos recorrentes o que torna a abordagem atual e direciona o olhar do leitor para o que está acontecendo hoje no cenário mundial. Ao final de cada “bloco de reportagens” Joe inseriu suas anotações sobre as mesmas, o que nos ajuda a esclarecer alguns pontos.
O volume inteiro é indispensável, Joe Sacco dá voz e rosto àqueles que são retratados de forma diminuta através de números e estatísticas.

Dentre todo o material, destaco duas reportagens que chamaram bastante minha atenção, são elas:
Cáucaso – A Guerra e as Chechenas / Refugiados? Onde?
Nessa reportagem Joe conversa com mulheres Chechenas cujo os maridos foram arrancados de suas famílias, suas casas foram escavacadas ou incendiadas e que tiveram que passar a viver em campos de refugiados em meio a miséria, a fome e doenças. Joe faz uma crítica mordaz ao governo Russo nessa passagem, denunciando as condições degradantes em que os Refugiados viviam. Realidade na qual, o então presidente Putin, se recusava a reconhecer como verdadeira. Aqui é nítido o foco na força dessas mulheres em se manter firme e no medo que elas tem de voltarem ao cenário de guerra, embora o campo de refugiados também não seja o melhor dos abrigos. E como a guerra é capaz de dizimar a esperança de um país inteiro.

Sabe aquela expressão “Matar um leão por dia”? Pois é, nem transformando a metáfora em realidade literal é possível explicar a forma como todas pessoas se viram para garantir sobrevivência.

Imigrações – Os Indesejáveis
Talvez essa tenha sido ainda mais desafiadora para Joe, pois trata-se da relação entre os Imigrantes africanos com os habitantes de Malta, que é seu país de origem. São 48 páginas retratando as dificuldades dos africanos em se instalarem em um país não muito receptivo. Joe revela nessa reportagem o racismo e intolerância por parte dos Maltases, mas também sem deixar ou minimizar o medo e apreensão dos mesmos. Segundo ele, mesmo ficando óbvia sua simpatia pelos migrantes, por todos os infortúnios de viverem sobre constante rejeição, achou que seria seu dever retratar com seriedade o que os habitantes do país pensavam a respeito.
“São poucos os povos, infelizmente, que aceitam o desafio de absorver um influxo grande e repentino de forasteiros, principalmente de cor. Meu próprio povo não é uma exceção.”

Reportagens foi uma leitura perturbadora, no sentindo que é difícil mensurar tanto sofrimento. Com toda a minha ignorância com relação ao gênero, nunca pensei que um HQ viesse a abrir reflexões pra vida. E o quão pouco sei (ou procuro saber) sobre as coisas que acontecem no mundo. E como somos alheio a questões humanitárias urgentes.
Essa é uma leitura extremamente rica, crua, denunciativa e acima de tudo verossímil, que se faz mais que necessária. Recomendo sem ressalvas.

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