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Maria Bonita: sexo, violência e mulheres no cangaço

“Salve Maria Bonita
Maria do do Capitão
Mulher forte destemida
Que viveu sua paixão”

Nas histórias que nos contam quando pequenos, na Literatura de Cordel, o casal Maria Bonita e Lampião é caracterizado de forma mítica, com Lampião romantizado na figura de Robin Hood do Sertão, e Maria na figura de Joana D’Arc da Caatinga.

Desde os anos 1990, quando Vera Ferreira, filha do casal de cangaceiros mais famoso do Brasil, cravou como data de nascimento de sua mãe o 8 de março, Maria Bonita é celebrada no Dia Internacional da Mulher. Com o tempo, transformou-se em uma marca poderosa.

Curiosamente, esse apelido famoso que ganhou o mundo e até hoje é super comercializado, só foi dado após sua morte. Antes disso, Maria Bonita era apenas Maria de Déa, ou Maria do Capitão.

Com toda essa mitificação em torno de Maria Bonita e Lampião, criou-se a ideia de que homens e mulheres do cangaço tinham direitos iguais. No entanto, Adriana Negreiros com o livro “Maria Bonita: sexo, violência e mulheres no cangaço”, reconta a história a partir de uma perspectiva feminina, que desfaz toda essa ideia. Ao longo da leitura vamos descobrindo que na verdade elas viveram numa rotina de abusos sexuais e psicológicos, desrespeitadas em seus direitos mais fundamentais. A realidade é que, dentro ou fora do cangaço, as mulheres sempre foram subjugadas aos desejos dos homens.

A ideia não é relativizar os crimes que elas vieram a cometer após a vida como cangaceira, mas mostrar que muitas não tiveram escolhas. Diferente de Maria Bonita, que nos anos 1920, abandonou o casamento para se juntar ao bando liderado por Lampião, e esse feito naquela época, foi considerado transgressor, pois “mulher decente não abandona marido, quanto mais para fugir com cangaceiro”. Ao lado de Lampião, Maria era considerada figura ilustríssima, tinha até mesmo algumas regalias como Rainha do Cangaço, mas a maioria das mulheres do bando foram sequestradas quando ainda não passavam dos 12 anos de idade e eram submetidas a violências constantes na esfera doméstica e privada.

Mulheres que despertavam o “amor” de cangaceiro perdiam completamente o poder sobre seu corpo e sobre sua vida. Ou acompanhava o cangaceiro ou morria.

E entre uma incursão e outra pelas cidades Nordestinas, as jovens que eram estupradas por eles não tinham muito o que fazer. Denunciar o crime era duplamente perigoso. “Coiteiro (pessoa que abrigava cangaceiro) que entregasse para a polícia assinava a própria sentença de morte, e a queixa seria para a volante (polícia) uma confissão de acoitamento”. Ou seja, o jeito era silenciar.

Para se ter uma noção melhor sobre a condição da mulher dentro do cangaço, a autora relata que: “como regra, depois da morte de seus maridos, as mulheres ficavam à disposição dos outros cabras, como um patrimônio sem herdeiro certo. Um cangaceiro solteiro poderia, se quisesse, pegar a moça pra ele. Se houvesse mais de um interessado, que resolvessem a disputa entre si, amigavelmente. Caso não despertasse o interesse de ninguém, o mais recomendável era que fosse morta, pois, caso voltasse para casa, poderia entregar os segredos do grupo para a polícia. A presença de mulheres solteiras era rigorosamente proibida no bando. Só ficava ali quem tinha dono”.

Constantemente nos deparamos com vários relatos de cenas brutais de estupro e violência doméstica, que como a autora mesmo descreveu, mais parecem saídas de filmes de terror. E como esses relatos foram, ao longo dos anos, colocados em dúvidas tanto sobre a violência em que eram expostas quanto ao ingresso no cangaço.

“Colocar em suspeição a versão das cangaceiras faz parte do mesmo padrão e da mesma lógica que insiste em desqualificar os relatos das mulheres violentadas. Um distorção atávica, que transforma vítimas em culpadas e procura encontrar no comportamento feminino as alegadas razões para justificar a opressão.”

A bem da verdade é que o cangaço fez e aconteceu no Nordeste brasileiro entre as décadas de 20 e 30, e para entendermos como se deu esse processo de forma mais ampla, a autora faz uma contextualização histórica da época. Denunciando as polêmicas ligações que o bando de Lampião tinha com políticos, militares, fazendeiros e religiosos. Formando um importante panorama político e social da época.

A autora adota uma narrativa simples e didática, com características regionais, que deixam a leitura bem acessível. Como sou do Nordeste, foi uma delícia ler algo tão próximo da minha linguagem usual e foi uma oportunidade incrível conhecer melhor essa parte importante da história da região. Além disso, o livro é complementado com as fotos oficiais da época de Maria Bonita e Lampião em momentos mais descontraídos, e o restante do bando.

É sempre importante estudar o passado e conhecer um pouco mais sobre períodos cruciais da História do país. Sobretudo, quando são tão bem descritos e embasados.

Recomendo demais a leitura!

Onde Comprar:
Submarino

{ Esse livro foi enviado pela editora Objetiva  para resenha no blog. Em compromisso com o leitor, sempre informamos toda forma de publicidade realizada pelo blog 

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