“Em Literatura, fluxo de consciência é uma técnica literária, usada primeiramente por Édouard Dujardin em 1888, em que se procura transcrever o complexo processo de pensamento de um personagem, com o raciocínio lógico entremeado com impressões pessoais momentâneas e exibindo os processos de associação de ideias. Mais tarde, em 1892, o termo foi cunhado pelo filósofo e psicólogo William James, para uso em Psicologia.
Com o uso desta técnica, mostra-se o ponto de vista de um personagem através do exame profundo de seus processos mentais, borrando-se as distinções entre consciente e inconsciente, realidade e desejo, as lembranças da personagem e a situação presentemente narrada, etc.”
Vários escritores famosos usaram esse estilo narrativo: James Joyce, William Faulkner, Clarice Lispector, Hilda Hilst e uma das mais famosas foi a Virgínia Woolf.
Esse é estilo bem difícil e tende a confundir muito o leitor, não à toa, pois é de fato bem complicado acompanhar a narrativa que passeia por várias mentes e sentimentos sem aviso prévio. Porém a grande Virgínia dominava essa arte como ninguém e sempre dava um jeitinho de fazer seu leitor conseguir se situar na história e, se não entender, pelo menos sentir o que ela propunha em seus romances.
Quem já leu Virginia também sabe do seu amor e encantamento pela Londres cosmopolita. As paisagens e pontos turísticos muito procurados até hoje por todas as pessoas que visitam a cidade, são sempre os cenários de suas histórias. Tenho a impressão que muitas vezes a cidade é o seu “personagem” mais querido.
Em Mrs. Dalloway não poderia ser diferente, junto de Clarissa nós saímos em uma bela manhã de Junho de 1923 para comprar flores, nos sentamos à vista da linda cidade, orientados pelas irrevogáveis badaladas do Big Bang, sentindo alvoroço mútuos pela presença da família real na cidade. Observando “nos olhos das pessoas, em seus passos gingados, cadenciados, arrastados; no alarido e no tumulto; nas carruagens, nos automóveis, nos ônibus, nos furgões, nos homens-sanduíches que avançavam oscilantes; nas bandas de música; nos realejos; no triunfo e no repique, e no estranho zumbido de um aeroplano no alto, era bem isso que ela amava, a vida; Londres; esse momento de junho.”
Muito embora o nome do livro seja “Mrs. Dalloway” ele tem dois personagens centrais, Clarissa e Septimus. Dois completos opostos que compartilham a mesma cidade, mas nunca chegam a se confrontar. Ela [Clarissa] uma mulher de pouco mais de 50 anos, casada com um parlamentar importante e que adora a vida em sociedade. Ele [Septimus] um ex soldado, assombrado pelos fantasmas que a guerra deixou e vítima de um transtorno pós traumático incompreendido pelos os que o cercam.
Clarissa é egoísta, fútil e preocupada com status sociais. Ao mesmo tempo que tenta ser e fazer o melhor que pode. As festas e encontros que ela organiza e oferece, foi o meio que ela encontrou para se sentir útil, ativa. Foi maneira que encontrou para dar movimento a própria vida.
No seu encalço nós conhecemos Peter Walsh, seu amigo de infância e antigo amor. Peter amava e ainda ama Clarissa, mas esperava demais dela. Idealizou uma Clarissa e a culpa por ela não atender ao seu desejo. E também se ressente dela ter escolhido Richard e não ele para casar. Clarissa também amou Peter, mas como não conseguia atender suas expectativas, viu em Richard Dalloway a segurança que buscava, uma espécie de refúgio para ela, sem muitas exigências.
Septimus está devastado e mentalmente perturbado. As marcas que a Guerra deixou foram profundas demais para ele e acaba por desenvolver comportamentos suicidas e um verdadeiro desgosto pela vida, para ele a existência não valia mais a pena. A melancolia é a característica principal desse personagem, o questionamento que vem junto dele é: “que medida tem a vida?”; “até onde e/ou quando ela faz sentindo?”. E talvez ele venha a ser uma espécie de alter ego da autora. Isso porque muito do que Septimus vive na história com relação a sua saúde psíquica se assemelha ao que a própria Virginia passou.
A ideia toda do livro gira em torno das ambiguidades e contradições. Como já é de se esperar nesse estilo de narrativa os conflitos acontecem dentro dos próprios personagens, o leitor é levado pelo o olhar de cada um deles, ou seja, não é a nossa perspectiva que importa e sim a dos personagens. Ficamos imersos nas cabeças dos personagens, somos os únicos além deles mesmos que sabemos o que se passa em seu íntimo.
E o que mais fascina nesse livro além de toda a composição e o requinte da escrita da Virgínia é a simplicidade da história. A autora mostra como retratar o tedioso cotidiano de uma determinada sociedade em apenas um dia e isso ser uma boa história. E como os cenários já vastamente conhecidos por seus leitores ainda assim podem ser tão marcantes. A sensação é quase como se estivéssemos de fato sentados em algum banco no Regent’s Park, ou de fato comprando flores na floricultura Mulberry da Bond Street, ou comprando doces na Army and Navy Stores da Victoria Street, ou mesmo se perdendo na rua Strand e novamente sendo orientada pelo Big Bang.
Pedindo licença aqui para usar o bom e velho clichê, o tempo que passei em Londres com Clarissa, Septimus e os demais, sem nem mesmo sair do lugar, não será esquecido tão facilmente. São pouco mais de 200 páginas de momentos, sensações, amores, vida, morte…
Leia! Sinta!
{ Esse livro foi enviado pela editora Companhia das Letras para resenha no blog. Em compromisso com o leitor, sempre informamos toda forma de publicidade realizada pelo blog }
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