Como visto na semana passada, a década de 70 ficou marcada na história do RPG como o ano de sua criação, mas os anos 80 logo vieram e foi deles a era heroica dos jogos de interpretação. (Confira post da semana passada)
O RPG se tornava um jogo lendário, sua fama se espalhando por todo o mundo. No Brasil, as notícias de um jogo por narração cheio de criaturas e aventuras despertava o interesse dos garotos. No entanto, achar algum destes jogos era praticamente impossível no começo da década. Poucas livrarias importavam o material e, as que o faziam, traziam somente por encomenda e com preços excessivos. A moeda brasileira sofria com os índices inflacionários e a constante troca de planos (do cruzeiro para o cruzado, depois para o cruzado novo e voltando ao cruzeiro) encarecia ainda mais os produtos. Os livros de aventuras, monstros e personagens eram verdadeiras lendas.
Os mais espertos começaram a tirar cópias dos livros e fichas, circulando entre os grupos de amigos os xerox dos jogos (não à toa essa geração de jovens brasileiros é conhecida como Geração Xerox). O que chegava a nós, no entanto, era só um respingo do turbilhão que caía no lado norte do continente americano. Os Estados Unidos viviam uma praga que ameaçava invadir toda a cultura local. E assim o foi.
Os jovens estadunidenses dos anos 70, que se enfiaram nas mesas de jogos quando adolescentes, agora entravam na faculdade e se alastravam pelas ruas, trabalhando, estudando e, nas horas vagas, jogando. Diversos títulos diferentes saíam para atender o mercado consumidor, bem como variantes do mesmo jogo. Era inevitável que as aventuras criadas nas fichas fossem parar em outras mídias. A Era Heroica do RPG merece este nome por ter conquistado tal espaço!
A principal influência do RPG foi certamente no cinema. Labirintos e Monstros (1982), com Tom Hanks, prova isso. Com um enredo que trazia a premissa dessa obsessão dos jovens pelos jogos de aventuras, era um filme de fantasia que beirava o drama-psicológico. Torna-se um exemplo para a dicotomia que viria a ser a história do RPG, uma discussão primordial que ainda hoje está em pauta: seria este tipo de jogo benéfico ao indivíduo, despertando sua imaginação e criatividade, ou seria ele um alienador que enche a cabeça das crianças com conceitos inexistentes e ideais surreais e violentas?
O debate se parece muito com o discutido ainda hoje com os jogos de videogame, mas já é uma batalha travada há pelo menos trinta anos. No entanto, o cinema de RPG dos anos 80 não tem como base o Labirintos e Monstros, apesar de já haver nele as típicas fantasias de criaturas nada realistas e a aura mágica. Aura esta que foi cravada no final dos anos 70 com Star Wars, hoje um marco da ficção científica, mas que, sem dúvida nenhuma, possuía muitos elementos fantásticos (a floresta de Dagobah, lar de Yoda, é um típico cenário de filme de fantasia oitentista com enredo rpgístico). O herói que busca um tesouro ou salvar um reino e, pelo caminho, encontra amigos e armas que aumentam seu potencial para lidar com um tenebroso vilão que a tudo comanda, envolto num mundo desconhecido e repleto de seres mágicos — exatamente a mesma regra que gere os jogos de interpretação — é uma marca do cinema de fantasia desta época. A exemplo, O Cristal Encantado (1982), Krull (1983), A História Sem Fim (1984) e Labirinto – A Magia do Tempo (1986) são filmes que levam essa premissa e se impõem com aquela aura mítica e sobrenatural, dizendo que sua história não se passa neste mundo e, com certeza, não neste tempo.
O cinema, no entanto, não foi o único lugar a levar às massas o RPG, ironicamente o interpretando de seu ponto de vista. O grande clássico, amado por jogadores e não jogadores, idolatrado pelos saudosistas dos anos 80, foi a série animada Caverna do Dragão, que tem justamente seu título original Dungeons & Dragons. Procurando incorporar todos os elementos do D&D clássico e levá-los a um programa matinal para as crianças, Caverna do Dragão fez história nos desenhos animados e ainda hoje carrega consigo lendas populares, como o final misterioso nunca produzido ou o real motivo das crianças terem ido parar naquele mundo.
O RPG clássico havia se fixado no mercado de jogos e inspirado outras mídias. Que rumo ele tomaria a partir de então?
As vezes não entendo muito desse jogo rsrs
Ótima narrativa. O tempo do “se vira aí” era muito bom. Isso criava mais paixão pelo RPG. Viciei mesmo mais pra frente, por isso não sou tão apengado a D&D. Sou geração Storyteller (e GURPS, pela iniciação).