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Se você não gosta de ler, não leia.

Com muita frequência, é possível ler pela internet o famoso “se você não gosta de X, então não consuma X” quando se faz uma crítica a alguma coisa. Sejam livros, jogos, filmes, produtos no geral ou alimentícios, séries, roupas, caçados, a lista segue. Soa como um argumento definitivo, tentador, verdadeiro, ora, se não quer estar entre nós, por que ainda continua aqui? Ao mesmo tempo, é revoltante. Por que não se pode falar o contrário? É tão difícil aceitar que aquilo não é tão bom assim? Podemos refletir sobre isso de duas formas: pela ótica dos que criticam e ainda consomem e pela ótica dos que não entendem o permanecer dos críticos ou da própria crítica.

Em economia, existe um conceito chamado de Falácia de Custos Irrecuperáveis, ou Sunk Cost Fallacy, que nos diz que um comportamento, mesmo que infrutífero, é perpetuado porque a pessoa acredita que investiu muito nele (seja dinheiro, tempo ou esforço). É uma das explicações possíveis do motivo de você ainda acompanhar uma série longa mesmo ela já estando chata, continuar jogando um jogo mesmo que mal feito ou chegar a ponto de contrair uma intoxicação alimentar por comer demais num rodízio. É aquela sensação de “eu preciso fazer meu dinheiro render” ou “já vim até aqui, não vou parar agora”. Mas essa não é a única explicação. Nunca é. Até porque, uma falácia não é representação verossímil da realidade.

Nós criticamos, e eu me incluo nessa, porque gostamos daquilo que criticamos. Não por investimento de recursos apenas, por afeição também. Gostaríamos de ver aquilo crescer, melhorar, ter cada vez mais adeptos para que se desenvolva e perpetue. Excluir as críticas é permitir que o erro continue, fazendo com que aquela marca, coisa ou pessoa acabe ou encerre as atividades ou, na melhor das hipóteses, continue indeterminadamente em um nicho sem as possibilidades de arriscar e amadurecer. Isso não quer dizer que seja um problema permanecer em um nicho, mas mesmo direcionando para um grupo de pessoas, não se pode permitir que a estagnação se torne algo confortável.

Pelo outro ângulo da discussão, é possível perceber uma baixa tolerância à frustração. Justamente pelo mesmo apreço emocional e também pela mesma falácia, a pessoa frustrada não pode aceitar críticas porque estas são como uma afronta ao seu próprio ser, tudo que ela acredita, tudo que ela acha que sabe, um golpe pessoal. Essas pessoas são justamente aquelas que jogam combustível na fogueira do termo “geração mimimi”. Calma, eu consigo imaginar a enxurrada de conotações que este termo pode apresentar, mas me acompanhe no raciocínio.

É impressão minha ou o Pondé parece cada vez mais com o Freud?

Geração Mimimi é um termo usado tanto por intelectuais influentes e respeitados como Luiz Felipe Pondé e Eduardo Wolf, como também é usado de forma pejorativa por outros indivíduos, sejam famosos ou não. Nas conotações mais vulgares, o termo é usado para descrever uma juventude farta de opressões, “piadas”, situações e comportamentos que não são mais toleráveis e essa atitude incomoda porque desafia os costumes e tradições de uma elite (não apenas financeira) opressora. Geralmente pode-se ver em alguns “humoristas”. Quando é usada pelos intelectuais, geralmente mais conservadores, o contexto é de uma geração que não sabe enfrentar frustrações, principalmente por conta de sua criação e seu contexto, onde cada vez mais famílias não sabem impor limites ou falar o “não” para seu filho na hora certa, tornando-os adultos incapazes de lidar com a realidade nua e crua fora do conforto familiar que sempre tiveram. Isso, é claro, pode ser debatido, pois, é tanto responsabilidade das gerações antigas que não sabem ensinar as coisas que não seja nos mandos e gritos, quanto das gerações atuais que sofrem com essa falta de preparo. Mas essa é uma reflexão para outro dia.

Cada geração com seus problemas, de fato, há uma numerosa parcela de jovens e adultos que não conseguem aceitar críticas ou serem confrontados com ideias diferentes. Irônico, porque os tempos atuais são conhecidos por serem os mais inclusivos. É óbvio que o ideal é aceitar críticas e ensinar que a frustração é necessária para o amadurecimento, a posição nessa reflexão é muito clara, mas como é de praxe de um psicólogo dizer, nada é tão simples quanto parece.

Como proposta de ação, pois é parte integral da crítica, da próxima vez que ver alguém te impedindo de criticar por achar que você deveria apenas se retirar e não “reclamar”, questione de volta essa pessoa. A faça refletir o motivo de não aceitar críticas, de querer um mundo sem melhorias ou se ela ao menos sabe o que configura uma crítica. A internet nos fez alcançar maravilhas, então nada mais justo que trazer reflexões enriquecedoras para este campo.

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