No interior da Recife dos anos 1920, Emília e Luzia ajudam a pagar as despesas da casa com a costura. Elas aprenderam o ofício com a tia, Sofia, que cria as duas como se fossem de seu próprio ventre. Emília é romântica e sonha com o dia em que se mudará para a cidade grande, casando-se com um grande amor e vivendo envolta ao luxo de uma boa casa e amigos nobres. Luzia, por sua vez, não deseja nada disso. Tudo que ela quer é viver tranquila e não depender de terceiros – inclui-se um marido aí – para se sustentar. As duas não poderiam ser mais diferentes, mas se amam profundamente, tal como é o amor entre irmãos.
Quando o bando de cangaceiros liderado pelo temido Carcará chega na região, em busca de costureiras para consertar suas vestes surradas, o destino das duas muda para sempre. O líder do bando leva Luzia consigo, não separando apenas as duas mulheres, mas dividindo o pequeno mundo que as envolvia em duas partes extremamente opostas.
Esse é o plot principal da obra “O Cangaceiro e a Costureira”, escrita por Frances de Pontes Peebles e adaptada para as telas pelo diretor Breno Silveira. Gravado originalmente como um filme, “Entre Irmãs” chegou à televisão como minissérie com partes extras, filmadas especialmente para a transmissão da Rede Globo. Assisti essa história na transmissão da Globo e já posso garantir, ainda em janeiro mesmo, que essa minissérie já é uma das minhas preferidas do ano e, quiçá, da vida toda.
Tanto na literatura quanto no cinema e tv, essa não é a prmeira história que surge envolvendo o cenário do Nordeste brasileiro, ou o cangaço, ou ambos em uma mesma trama. Mas o diferencial do enredo desenvolvido por Frances pode ser resumido em uma única palavra: sensibilidade. A autora nasceu no Recife e ouvia as histórias de cangaceiros e do passado no sertão, contadas pela avó e pela tia-avó. Ela declarou, em uma entrevista ao site “O Globo”, que quis eternizar as histórias que marcaram sua infância em uma obra sobre o lugar onde nasceu.
“Entre Irmãs” aborda a união e o carinho entre as personagens Emília e Luzia, mas não apenas isso; aborda os relacionamentos amorosos que arrebataram as personagens, mas mantém seu foco distanciado dos clichês de amor. É uma história mais complexa, sobre destinos opostos e escolhas, tanto no sentido micro quanto macro. Calma amore, eu vou explicar: a história explora as escolhas pessoais e as imposições do destino, tanto na trajetória das duas mulheres e demais personagens (sentido micro, da vida delas) quanto das mudanças políticas e sociais do Brasil naquela época (sentido macro).
A personalidade das protagonistas são o extremo oposto uma da outra. Aí já aparece a primeira grande lição da série: o amor supera qualquer diferença. Não é preciso que Luzia concorde com a visão sonhadora de Emília para que ambas permaneçam unidas. No decorrer da série, muitas outras lições vão sendo captadas pelo espectador, mas o interessante é perceber que elas não são jogadas em nossa frente, mas absorvidas na naturalidade dos acontecimentos. Não posso revelar quais as lições que mais me impactaram na série, por motivos sérios de spoiler, mas posso dizer que nos anos 30 (e, claro, muito antes disso), muitas questões extremamente atuais já estavam em pauta e faziam muita gente sofrer.
O que já é óbvio pela sinopse da história, e que já me ganhou antes de qualquer outra coisa, foi a força que cada personagem feminina carrega. “Entre Irmãs” é uma história sobre as mulheres, e sobre o quanto de sofrimento e provações elas são capazes de aguentar, com a cabeça erguida em uma sociedade que parece não ser feita para elas. Emília alimenta o sonho que todos temos de alcançar uma felicidade futura, quando o presente não satisfaz nossa alma. Luzia carrega a força interior para alterar sua própria realidade, e à sua maneira, nos inspira por seguir o caminho acompanhada de suas convicções.
Uma das maiores belezas nessa história, em minha humilde opinião, é o aspecto real e sem estereótipos das personagens principais. Emília é sonhadora, mas não tem nada de fútil, e Luzia tem uma postura contemplativa e desconfiada, mas não cai na aparência ignorante. Elas são a razão e a sensibilidade personificadas, tal como as personagens de Jane Austen, se posso ousar compará-las.
Marjorie Estiano encarna o papel de Emília com a mesma qualidade que já havia me conquistado em outros papéis, e Nanda Costa foi, para mim, uma ótima surpresa: sua interpretação de Luzia me transportou para o sertão nordestino, me fez entender a ideologia forte que guiava a personagem junto aos cangaceiros, e mesmo quando não falava nada, me trouxe uma emoção genuína. Falando sobre os outros atores, cada um mostra seu talento e nos faz sentir orgulho em saber que a obra é tão brasileira quanto nós, espectadores. Em tempos onde as atuações me parecem tão forçadas, as emoções tão banalizadas, “Entre Irmãs” consegue transmitir cada nuance de tristeza e alegria da forma mais simples, envolvendo apenas um olhar entre personagens e uma imagem do sertão num final de tarde. É admirável e encantador.
A direção de Breno Silveira, conhecido por seu trabalho em filmes como “2 Filhos de Francisco” e “Gonzaga – De Pai pra Filho”, apresenta a mesma essência de suas outras obras, no quesito ambientação de cenários e figurinos. A fotografia e os movimentos de câmera são mais um enorme atrativo da série, que mostra a beleza natural do sertão em contraposição à modernidade elegante da capital do Recife na primeira metade do século XX. Os momentos em que a câmera é fechada nas expressões faciais dos personagens fazem o espectador se sentir mais próximo a eles, aos seus sentimentos e expressões; além disso, alguns momentos de extrema violência não são utilizados de forma apelativa, e o fato de não ser “forrada” de momentos de ação, deixa a adaptação ainda mais poética.
Um único problema ficou perceptível no resultado final da minissérie: a quantidade de subtramas e personagens secundários que ficaram pouco desenvolvidos, no final das contas. Por se concentrar na trama principal, a sensação que tive foi de que figuras interessantes ficaram como desnecessárias, rasas demais. Não posso dizer se isso também ocorre no livro, mas foi algo que achei uma pena na adaptação.
A narrativa não prioriza uma ou outra personagem, e nos mostra os caminhos diferentes que Emília e Luzia seguem pela alternância de seus núcleos narrativos. Temos a noção exata da diferença entre o sertão simples que se torna a casa de Luzia e as ruas pavimentadas, os vestidos bem costurados e a polidez dos que rodeiam Emília. Podemos ver nos olhos das personagens o quanto a frustração e a força se intercalam em seus pensamentos, e sentimos na pele a resignação delas ao aceitar o destino uma da outra.
Minha experiência com “Entre Irmãs” foi, em geral, perfeita. Foi uma minissérie cativante, que me prendeu, tocou o meu coração e fez com que eu me colocasse no lugar de cada personagem, desde as protagonistas até mesmo os cangaceiros. Foi a primeira obra em que me senti “apresentada” aos costumes nordestinos (sem estereótipos exagerados), à ideologia que fazia com que os cangaceiros se considerassem heróis e combatentes justos, e à beleza existente na simplicidade de quem vive no interior. Também foi uma experiência tensa, por ver algumas problemáticas da sociedade que perduram em pleno 2018, e por observar o quanto os direitos e a liberdade das mulheres são instáveis em uma sociedade comandada – tanto nos anos 30 quanto hoje – por e para os homens.
Ainda não tive a oportunidade de ler a obra que originou o filme e a série, “A Costureira e o Cangaceiro”, mas esse livro já está na minha listinha preferencial de desejados. Ah, e outra coisa amores: fica a dica de escutar a música “Aponte”, que é a trilha de abertura do filme/minissérie. Composta com a colaboração da atriz Nanda Costa, a música carrega o poder vocal de Maria Bethânia, e consegue nos levar para o ambiente da série em seus primeiros 5 segundos. É linda e é arrepiante. De verdade.
Agora me conta, ficou ansioso para assistir?
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