A internet é um meio de comunicação ainda em exploração; sabemos de seu potencial e de como utilizá-la, mas a cada ano ela contribui para um novo fator social que acaba por nos surpreender bem como falta amadurecimento mútuo entre tecnologia e usuário, de forma que há imprevisibilidade daquilo que esta mídia pode nos oferecer. Modelando-se na tentativa de socializar e atrair cada vez mais o grande público (ou seja, aqueles não habituados à leitura), chegou-se a era twitter. Há que se contestar o nome, visto que o twitter ainda está longe de monopolizar as redes sociais, redes estas que já sabemos ter vida curta dentro do mundo virtual, tendo de ser substituídas de tempos em tempos após uma “crise” (perda de interesse dos usuários, problemas consecutivos na programação do site, ingressão de hackers ou spams), obrigando uma nova rede, que apresenta correções a anterior e inove nas questões de interface e possibilidades de interação – seriam elas análogas ao sistema capitalista, que depende das crises constantes para sobreviver? Não cabe neste tema nos prolongarmos quanto a isto.
A era twitter seria, então, uma nomeação para o novo processo de leitura atrativa: uma ideia, informação ou expressão condensada em cento e quarenta caracteres para que sejam transmitidas rapidamente e possam ser compreendidas por sua maioria. Sua funcionalidade atraiu um contingente que não leria um único jornal impresso de sábado, mas que acompanha as notícias que o William Bonner transmite por sua conta no twitter. Tal fórmula, já aplicada anteriormente em outros sites, foi, e está sendo, aplicada em praticamente todos os meios de comunicação online; uma via de regra. Quando se escreve muito, menos pessoas leem. Instaurou-se na parcela criadora de conteúdo um temor imenso ao prolixo, ou seja, na exposição muito detalhada (e às vezes enfadonha) de uma determinada ideia. Ora, o seu oposto, o conciso, a exposição compacta porém completa, não é um malefício, está longe de ser! No entanto, no holocausto prolixo, matou-se também o conciso. As produções literárias que aderiram a era twitter (sejam as fanfics, os ensaios ou artigos criados para a internet e até mesmo algumas produções publicadas) acabaram por trazer criações incompletas, modelos empobrecidos daquilo em que se inspiraram. O leitor, mal habituado, sente-se desanimado a pegar um livro muito grosso ou desiste da leitura do artigo de um site por notar ser tão longo.
Um grande exemplo é a fonte de maior informação aos estudantes e curiosos. A Wikipédia. Ela é uma excelente ferramenta para o conhecimento mínimo de determinado assunto, mas não passa disso, um conhecimento mínimo. Ninguém se preocupa em ver os artigos em que ela se baseia nos rodapés dos textos, geralmente sites ou livros com conteúdo extenso. A condensação nem sempre é concisa, ela omite, em sua grande maioria, informações fundamentais e a compreensão adequada de determinado assunto. Torna-se fácil a manipulação da informação quando ela é dada em parcelas incompletas – cria-se um novo leitor passivo, semelhante àquele que aderiu à televisão no século passado; um leitor não crítico e de fácil controle. Quando não há uma pesquisa mínima além daquilo que foi lido inicialmente, e tal facilidade é uma das grandes vantagens disponíveis na era da internet, aceita-se como verdade a primeira fonte da qual o dado foi extraído: “eu li na Wikipédia”.
Como isso afeta a cultura da literatura fora da internet? Cria-se um leitor infantil, imaturo, passivo e alienado. É uma análise grosseira, há contestações. Temos exemplos belíssimos de como a internet trouxe ao grande público eventos ocultos, possibilitou o achado de grandes autores e levou a um número maior de pessoas o conhecimento amplo. Mas, ainda assim, há a produção cultural “televisiva”, que é facilmente consumida e se torna um ímã para esse indivíduo preguiçoso. A internet, como tantas coisas neste mundo moderno, é ambivalente. A facilidade do acesso a literatura, consequentemente, também é.
Tomemos como exemplo a literatura infanto-juvenil. Longe está de ser uma criação da era da internet, mas sua propagação – pautada pelo descrito no primeiro texto no conceito de agremiação de grupos de interesses – tem como grande protagonista os blogs e redes sociais virtuais. Ela atinge um vácuo dentro da escala literária, aquele existente entre a literatura infantil e a adulta, entregando um tema mais trabalhado com uma linguagem extremamente simples. Acumula fãs ainda crianças, que se sentem adultos por consumirem tal literatura, e faz a ponte entre a adolescência e a vida madura. E mais, atrai um grupo de jovens que até então se viam desinteressados pelos livros, devido aos fatores explicados no artigo anterior; afinal, ele percebe que livros não são tão difíceis assim, e nem tão longos. A literatura infanto-juvenil define-se assim como benéfica, responsável por ingressar um número gigantesco de pessoas no mundo literário. Onde está a ambivalência nisto?
José Saramago, grandiosíssimo escritor de nossa língua, apontou certa vez algo de extrema importância. O amadurecimento cultural, principalmente no que diz respeito ao leitor, tem início nas primeiras frases lidas e se dá tão somente quando o que é lido NÃO é inteiramente compreendido. Uma criança só irá avançar quando ler algo que a obrigue a aprender, seja com a presença de palavras novas, seja com conceitos desconhecidos a ela. Ou seja, ele defendia que um indivíduo deve ler sempre aquilo que está um nível acima dele, de forma que ele almeje alcançar o entendimento daquilo e, compreendendo, leia algo ainda mais exigente. Somente assim são criados os leitores críticos, os produtores de literatura e, acima de tudo, um indivíduo com conceitos elaborados e disposto a absorver mais informação. E é neste ponto que a literatura infanto-juvenil se torna ambivalente: ela, ao invés de ser usada como ponte de transição, torna-se viciante por fazer o leitor sentir-se satisfeito com um projeto bem elaborado. Os consumidores frenéticos de literatura infanto-juvenil não se restringem a tê-la num período ou a consumi-la por distração e entretenimento passageiro; muitos acabam se tornando fiéis a esta categoria, não avançando no amadurecimento, pelo contrário, muitas vezes se voltando a categorias inferiores, infantis, da qual se baseiam (com razão, pois tem como meta atrair pré-adolescentes que precisam ser estimulados a consumirem algo mais estruturado) e se perdem na imaturidade. Os produtores hollywoodianos se aproveitam deste fator, acumulado ao interesse multimídia, para criarem seus blockbusters, que já vêm com sua plateia fiel pronta. Não questionamos aqui o entretenimento, tão saudável e necessário, mas a interrupção do crescimento pessoal que irá se tornar prejudicial ao cidadão, já receoso com o medo do prolixo, passivo com a cultura televisiva, imatura com a prisão infanto-juvenil.
Exploramos aqui, infelizmente, um cenário pessimista. Alienação se tornou um conceito de difícil uso, pois ninguém se considera alienado (óbvio!), mas é fácil apontar a passividade do cidadão brasileiro; tem sua história fundamentada numa cultura de distância da leitura e, quando a atinge, é de forma incompleta (a informação reduzida da era twitter) e manipulada (as tendências da mídia televisiva e da procura por consumidores multimídia para os produtos de best-sellers e blockbusters). A imaturidade, agregada com a sensação de estar se intelectualizando ou tendo acesso à informação e à cultura, dá suporte para que as novas mídias sejam usadas como ferramentas de controle social.
Nem tudo é obscuro! A militância virtual, repito, tem seus excelentes exemplos (as manifestações de Junho estão muito próximas de nós – apesar delas também possuírem seu caráter ambivalente) e abriu uma brecha até então impossível no que diz respeito ao alcance do povo. No cenário que víamos nos anos 80 e 90, não tínhamos como prever um meio social tão aberto como o que se mostrou nos últimos anos e, assim como na leitura, ainda temos muito o que amadurecer quanto ao seu uso.
Devemos buscar sempre a leitura crítica e o questionamento daquilo que temos consumido e avançar sempre no conhecimento e no estímulo literário. Só com uma sociedade leitora é que teremos um nicho de escritores ainda mais empolgados e empolgantes e mostraremos ao mundo que nosso país tem muito a oferecer!