Para Kant, esclarecimento (Aufklärung) é a saída do homem da menoridade, da qual ele próprio é culpado, sentido atribuído em seu texto “Resposta a pergunta: que é esclarecimento” como sendo a incapacidade de pensar de maneira autônoma, dependendo do entendimento de outro indivíduo. Com efeito, essa tese é o sustentáculo essencial para dar continuidade ao conceito de esclarecimento definido pelo filósofo, pois, se o homem é culpado pela sua condição de subordinado ao pensamento do outro, o esclarecimento só pode ser alcançado através da disposição do próprio sujeito em sair da menoridade.
Qualquer homem pode alcançar o esclarecimento, contudo as causas fundamentais para que a condição do indivíduo permaneça são a preguiça e a covardia, agentes imprescindíveis para manter o homem na categoria de menor durante toda a sua vida. Preguiça, pois é suficientemente mais fácil ter algum tutor que pense por nós, sirva de apoio e execute as tarefas mais árduas como raciocinar e decidir. Covardia, afinal é extremamente arriscado dar um passo em falso rumo ao desconhecido, haja vista que os tutores estabeleceram uma relação de senhores da humanidade, preservando o público amedrontado a fim de não ousarem caminhar pelos próprios pés e, dessa forma, permaneçam vassalos da iniciativa de outrem. Não obstante, devido à dependência com o estado de ignorância, torna-se difícil desprender-se da menoridade.
É difícil, portanto, para um homem em particular desvencilhar-se da menoridade que para ele se tornou quase uma natureza. Chegou mesmo a criar amor a ela, sendo por ora realmente incapaz de utilizar seu próprio entendimento, porque nunca o deixaram fazer a tentativa de assim proceder (KANT, 1783, p. 2).
Contudo, Kant define o esclarecimento como um processo natural do indivíduo, sendo, para ele, prejudicial até mesmo influir no vagaroso decorrer desse processo. Ou seja, um tutor que tenha anteriormente conduzido o público ao jugo da menoridade decide, por exemplo, espalhar o espírito da avaliação racional e da vocação humana, princípios imperativos ao esclarecimento. Ao fazê-lo, delatando o antigo modo de pensar, na tentativa de desconstruir um preconceito, o tutor apenas conseguirá, em última instância, substituí-lo por um novo, talvez mais lapidado. O que antes receitava ao público “creia!”, agora adverte “não creia!”. A mudança não se deu como uma conseqüência do esclarecimento dos indivíduos, mas pela mesma tutela que pensava, decidia e agia pelo público. Desse modo, o filósofo afirma que “um público só muito lentamente pode chegar ao esclarecimento” (KANT, 1783, p. 2).
Se um tutor não pode então tornar o individuo esclarecido, a única maneira de fato eficaz é dando-o liberdade, mas como essa liberdade pode influenciar na ordem social? Se um militar começasse a desacatar a ordem de seus superiores, mesmo com uma idéia justa, causaria uma desordem e poria em risco a finalidade pública de sua função. Qual então é o limite para que se exerça a liberdade? Kant responde a essa problemática com as definições de uso público da razão e o uso privado da mesma caracterizando-os da seguinte maneira:
Entendo, contudo, sob o nome de uso público de sua própria razão aquele que qualquer homem, enquanto SÁBIO, faz dela diante do grande público do mundo letrado. Denomino uso privado aquele que o sábio pode fazer de sua razão em um certo cargo público ou função a ele confiado (KANT, 1783, p. 3).
O sacerdote que alcança um pensamento dessemelhante ao que é atribuído à sua função como clérigo não deve, portanto, proferir em uma congregação de fiéis o que pensa, em detrimento dos preceitos da religião. Entretanto, na função de sábio, ele pode e deve expor publicamente ao mundo suas idéias, seriamente observadas, contra o que ele considera prejudicial ou injusto. Somente o uso público, torna o indivíduo esclarecido e por isso deve ser livre. O uso privado, contudo, em determinadas circunstâncias, não atrapalha o esclarecimento, mas a ordem social e seu funcionamento.
Como implicação, o padre não fala por si quando efetua seu papel como sacerdote, mas em nome da igreja, excluindo assim naturalmente toda utilidade prática dos preceitos. Kant, seguindo argumentativamente, considera um absurdo os tutores das coisas espirituais deverem ser menores e falar em nome da instituição, afinal, por definição tutor é aquele que fala em nome de outro. Se ele, enquanto sacerdote, depende da voz da igreja, é incoerente estar na condição de tutor e ao mesmo tempo ser tutelado.
Sobretudo, para que haja a liberdade do esclarecimento e do uso publico da razão deve haver, por parte do governo, uma legislação que seja imparcial. Que preserve o direito de ambas as partes sem beneficiar algum dos lados de maneira que uma parte não poderá violentar o direito da outra ou impedi-la de chegar ao esclarecimento. Não caberia ao governo, entretanto, tomar parte na discussão ou até mesmo de censurá-la, pois o próprio objetivo da defesa legal do direito do esclarecimento é impedir o surgimento de leis universais que contribuam com a perpetuação da menoridade. Num regime de esclarecimento a ordem pública se mantém sozinha e por isso o governo não precisa se preocupar.
Sendo o esclarecimento um direito natural do ser humano, é também natural o avanço em sair da menoridade. Nisso consiste a necessidade de entendimento da condição de cada indivíduo: a natureza humana se fundamenta no progresso e encerrá-lo sob a voz de um tutor, sendo em matéria religiosa a forma mais danosa, é ferir a determinação original do homem. Como solução, o uso público deve ser favorecido enquanto tal para que, de modo brilhante, cada pessoa obtenha a liberdade necessária para calcar o caminho do esclarecimento.
Se vc não sabe ou não entende as coisas a culpa é sua mermão.
Eu acho Kant dificílimo, que legal essa explicação. Torna tudo mais facil.
Bom, você não explicou o texto do Kant, você repetiu o que ele disse, com outras palavras. Eu li o texto original, e você usou trechos, mudando algumas palavras, sem se preocupar em citar ou explicar que era uma parafrase.
Olá Cynthia,
eu sigo o método de explicação do texto do Wunenburger e do Folscheid, que afirmam:
“Uma explicação de texto de caráter filosófico não supõe um espírito fundamentalmente diferente daquele que preside à dissertação. Nos dois casos, com efeito, levantar uma problemática, de estabelecê-la, de desenvolver as características, e de resolvê-la. Mas enquanto na dissertação se é dono do desenvolvimento, em uma explicação de texto é o autor do mesmo que impõe o quadro da reflexão. Deve-se portanto desdobrar-se a atenção sobre os imperativos do texto ele mesmo.”
De acordo com a metodologia filosófica acima, explicação consiste em trabalhar em cima do texto como um todo e simplesmente, de novo – simplesmente, explicar o que o autor quis dizer em sua totalidade do texto. Explicação NÃO é dissertação, na qual eu trabalho em cima de uma tese; Explicação NÃO é uma interpretação, onde eu destaco pontos específicos de caráter ímpar e dou destaque à aplicações variadas do mesmo trecho; Explicação também NÃO é comentário, onde eu separo em tópicos pontos de vista pessoais acerca da obra; e, por fim, explicação NÃO é paráfrase, onde eu anulo a profundidade do tema cerceando uma frase que resuma aquilo que é complexo e, sobretudo, completo.
A proposta baseia-se na acessibilidade do texto de forma explicativa ignorando minhas análises pessoais, sendo simpático com a tese e com o autor.
Abraços.
Lucas, eu entendi o que você quis dizer. Na explicação, não se acrescenta ideias, afinal é uma explicação, não uma tese. Minha única preocupação é a de que você parafraseou o texto original sim, fazendo um mini resumo, ao invés de usar suas palavras a partir do texto lido. Nã entenda “usar suas palavras“ como algo que você vai acrescentar de novo, um comentário de texto por exemplo. Mas não caia no erro de “fichar“ o texto também. Desculpe o comentário, mas eu tenho estudado esse texto específico de Kant há dois anos, já li trocentas vezes (inclusive, estou com ele na mão agora) e minha futura tese de mestrado vai ser sobre ele haha
Obs: não leve a mal o meu comentário, eu nem sei o quanto você já estudou de Kant, só achei que seria legal dar um toque mesmo. 🙂
Preocupação é um termo meio forte, não? rs
Mas, de fato, eu entendi o que quis dizer: trechos onde eu escrevo “Para Kant, esclarecimento (Aufklärung) é a saída do homem da menoridade, da qual ele próprio é culpado”, por exemplo, são uma paráfrase. Sua crítica faz sentido, mas convenhamos que o ideal de uma explicação é que ela seja uma obra autônoma, independente do texto do qual ela se refere. Esse ideal é alcançado, se tanto, por 20% dos escritores. Não uso como justificativa, mas não é justo exigir que frases do autor estejam imperativamente fora da explicação para que uma explicação seja legítima.
Obrigado pela dica, você cursa filosofia?
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Sim, frases do autor são necessárias, principalmente se você for explicar algo bem específico no texto. Escrevendo textos acadêmicos (sim, curso Filosofia!), recebi dicas de como escrever, e uma dica legal é o uso da citação, obviamente, de forma moderada. Desta forma, você não corre o risco de ”plagiar” e, em uma prova ou trabalho, por exemplo, pode utilizar aquela citação para reafirmar o que você disse ou pretende dizer no decorrer do texto. Enfim, é isso! Boa sorte com o Café&Sophia, gostei bastante de ver Kant por aqui! 😀
Nossa adorei o post e concordo com tudo que foi dito!