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O homem na cultura nerd

A cultura é para todos e é difícil definir exatamente o que ela é. Pode ser tudo aquilo produzido ou manipulado pelo ser humano em seu ambiente, corresponde a cada local do mundo onde esse ser humano existe, vão ter aqueles elitistas que vão querer fazer você acreditar que algumas culturas e costumes são mais eruditos, são “melhores” que outros, etc. O fato é que cultura é para todos, ou deveria ser.

A cultura nerd, ou cultura pop, é a mais forte hoje em dia. Nessa nossa cultura é englobado os videogames, filmes, séries, livros, música, colecionáveis, eventos, animes, mangás, rpg’s de mesa, jogos de tabuleiro e por aí vai. Tem um “nerd” em todo canto que você vai. Pode não ser do mesmo nicho que você (e como tem nicho!), mas com certeza tem aquela paixão por algo específico dessa cultura. 

Essa paixão pode ser um problema, muitas vezes. A cultura também dita outras coisas ruins, como comportamentos inadequados. A cultura machista, por exemplo, tenta vender para nós, homens, que somos superiores, estamos na frente de uma suposta competição e que estamos em posição de “proteger”, “defender” e “salvar” a mulher. Eu sei que talvez para você, leitor, não há nada de errado nisso. Mas me acompanhe que vou tentar te explicar que tem sim.

A presença e representação do homem hetero na cultura nerd é complicada porque aplica em nós características que não temos, não precisamos ou que exigem demais de nós para alcançar, sem grandes benefícios em retorno. Quando você lê um livro onde o homem é descrito como poderoso, com um corpo que provavelmente tem 5% de gordura, que não chora e enfrenta todos os problemas com bravura e determinação, você está lendo um homem que não existe, pelo menos não com frequência. Não é toda obra que vai se dispor em detalhar o regime de treinamento para alcançar essa força e aparência, os aspectos psicológicos fragilizados de uma pessoa que não expressa seus sentimentos ou como deve ser esgotada uma pessoa que sempre está disposta a enfrentar a tudo e todos, sem tempo pra descanso e sempre motivado. Essa é simplesmente uma representação fantasiosa do ser humano e não vai ser uma frase no começo da obra dizendo “essa é uma obra de ficção” que vai balancear as horas e horas que você passa consumindo-a.

Ora, qual o preço que eu devo pagar para ter todas essas características? A pornografia, que também tem um papel muito forte na disseminação de uma imagem completamente equivocada do homem (e da mulher), nos faz acreditar que sempre precisamos estar dispostos para se envolver sexualmente com qualquer mulher, caso contrário, somos “broxa”. “Tem alguma coisa errada se alguma mulher não quiser imediatamente transar comigo após alguns minutos de papo, talvez eu tenha que forçar igual aquele filme que eu vi?”.

A representação do homem na cultura em geral precisa mudar. Décadas e décadas com padrões de comportamento como os que eu citei e vários outros nos tornaram tóxicos e um perigo em potencial para toda e qualquer pessoa, inclusive nós mesmos. O homem que assedia a mulher que só quer jogar em paz, o homem que bate na companheira porque sempre aprendeu que é assim que se demonstra preocupação ou que é assim que se “educa”, o homem que quer ditar o que é ser “homem de verdade”, o homem que estupra, o homem que assedia mulheres na rua, o homem que não aceita não como resposta, etc. Tudo isso leva a uma masculinidade que não se sustenta, nunca se sustentou. Nós mesmos criamos um monstro do qual a maioria se entrega, enquanto uma minoria consegue reconhecer e tem trabalho pra enfrentar e superar.

Em 2019 eu escrevi aqui no Pausa um artigo argumentando sobre a necessidade de manter as característica de Shun de Andrômeda no remake de Cavaleiros do Zodíaco na Netflix (você pode ler esse texto aqui ). Nós não temos muitas representações diferentes de masculinidade nas obras que gostamos, então precisamos defender as poucas que temos. 

Para você, leitor, se pergunte se sua masculinidade algum dia feriu alguém ou se ela permanece tranquila em cima dos privilégios que o homem tem. É uma pergunta retórica, em algum momento da sua vida isso aconteceu sim, não adianta negar. Para você, leitora, não aceite que homem nenhum dite o que você tem que fazer, vestir, falar ou qualquer outro comportamento. Cuidado também para não reproduzir uma visão equivocada sobre nós. Já vi muitas mulheres recebendo um não e chamando o homem de “viado”. Nem tudo é oito ou oitenta.

Esse exercício de reflexão teve a intenção de simplesmente fazer você pensar sobre o papel do homem na cultura nerd. Nós, como sociedade, não vamos conseguir mudar sem reconhecer e pensar sobre nosso comportamento. Desacelera e pensa!

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