“(…)Todos tem um ideal. O meu é gostar de ler.”
Até pouco tempo eu não sabia ao certo do que se tratava o livro Quarto de Despejo da Carolina Maria de Jesus, tampouco sabia sobre a própria autora. Vi algumas resenhas e vídeos e fiquei instigada a conhecer a história dessa mulher intrigante que foi a Carolina.
Mas quem é/foi Carolina Maria de Jesus, afinal?
Pega o café e vem descobrir!
Mulher, negra, mãe solteira, favelada, catadora de lixo e faminta. Essa é a descrição de Carolina. Uma mineira, nascida em Sacramento que foi para São Paulo residir no que antes era a favela do Canindé. O livro é uma espécie de compilado dos relatos que ela escrevia em seus diários entre as décadas de 50 e 60. Ou seja, Quarto de Despejo é uma parte da história de Carolina na favela, é o cotidiano de uma vida sofrida e caustica, onde o principal personagem, na verdade, é a fome.
Mesmo com os poucos anos de escolaridade ela cultivava o hábito da leitura e da escrita. Ela era daquelas pessoas que ansiava por algo e por ser alguém, mas que as circunstancias da pobreza a consumia. Ela sonhava em publicar suas histórias e por isso, mesmo com todo o sofrimento, nunca deixava de lado os livros e a caneta.
“(…)Quando fico nervosa não gosto de discutir. Prefiro escrever. Todos os dias eu escrevo. Sento no quintal e escrevo.”
Esse livro, através de uma escrita singular, apresenta ao leitor um quadro político-social daquela época. É uma parte da história do Brasil a partir dos olhos de quem estava no “quarto de despejo”.
Mas porquê quarto de despejo?
A metáfora fala por si só, mas a própria Carolina “explica” o termo nessa passagem do diário:
“Quando estou na cidade tenho a impressão que estou na sala de visita com seus lustres de cristais, seus tapetes de viludos, almofadas de sitim. E quando estou na favela tenho a impressão que sou um objeto fora de uso, digno de estar num quarto de despejo.”
Uma das características forte desse livro é a constante crítica ao governo e o sistema político do país. E essa é também uma das polemicas que envolvem esse livro, mais precisamente a edição dele. Isso porque o jornalista Audálio Dantas, que foi quem “descobriu” a Carolina, explica que as descrições do diário eram por vezes repetitivas e ficaria sem sentido manter alguns trechos (não sei até onde isso é bom, mas enfim). E como o leitor pode perceber os trechos que começam com (…) é onde há recortes e é aí que mora a dúvida se o texto foi muito manipulado ou não.
Era difícil acreditar que a Carolina, uma favelada, quase sem grau de instrução e poucos recursos pudesse ter conceitos tão politizados, uma visão tão sagaz do sistema político e notável habilidade literária. Por isso muitos escritores famosos da época saíram em defesa da veracidade da história, pois não achavam possível que algo assim seja puramente imaginado. Que quem nunca passou fome não sabe descrever a sensação.
Eu prefiro pensar na autenticidade da história, e que essa negação é apenas uma visão equivocada de quem tem privilégios. De fato, o texto de Carolina incomoda o leitor acomodado, o leitor aquém dessas circunstancias. Quarto de despejo não é o tipo de livro que passa batido, ele se faz presente, nos tira da zona de conforto, cada passagem é um misto de sentimentos – espanto, pena, empatia, negação, dúvida, vergonha – Ele contradiz o pensamento comum (e ingênuo) de que está tudo bem. De que a sociedade tem suas diferenças, mas vamos levando.
Apesar das dúvidas em torno da originalidade, um ponto muito significativo e feliz da edição é ter mantido a escrita crua e os erros ortográficos, e isso faz total diferença na leitura e no significado da história como um todo.
Mesmo após ter feito um sucesso iminente com a publicação de Quarto de Despejo (vendeu mais de 100 mil cópias e oi traduzido por mais de 10 línguas), Carolina Maria de Jesus caiu no esquecimento logo em seguida. Chegou a publicar outros livros, mas somente esse fez sucesso. Ela é realmente pouco falada e seus livros são escassamente indicados. O que é uma pena, pois Quarto de Despejo deveria ser lido e discutido por todos. Nas escolas, nas universidades, nos clubes de livro, e com pessoas de todas as idades.
É até difícil colocar em um texto todas impressões que tive com esse livro, pois ele abre margem para tanta coisa, tantas reflexões. Nos ajuda a compreender um pedaço da história do Brasil que é ao mesmo tempo tão atual. Mas enfim, essa foi uma leitura altamente edificante, informativa e precisa. E espero que com essa resenha eu tenha contribuído um pouco para isso, para que a obra da Carolina se mantenha viva entre os leitores.
ISBN-13: 9788564296015 | ISBN-10: 8564296012 | Ano: 2013 | Páginas: 199 | Editora: Abril Educação
Baci ;*
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