Criar um spin-off a partir de uma série bem sucedida, adorada pelo público e que chega à sua terceira temporada com bons números de audiência parecia, logo de cara, uma grande jogada. Afinal, em OUAT vimos muito mais da Floresta Encantada e de Storybrooke do que de Wonderland (vulgo País das Maravilhas) de fato, e qualquer um que já tenha lido Alice sabe que é um universo bem vasto a ser explorado. Muitas teorias sobre o que esse novo seriado traria foram criadas. Afinal, no pouco contato que o fandom tivera com essa terra, vimos Cora no lugar da Rainha Vermelha, e nada de Coelho Branco. O que será que estariam aprontando pra nós?
Assistimos à volta de Once Upon a Time com aquele medo familiar pelos personagens, agora rumando para a perigosa e misteriosa Neverland (vulgo Terra do Nunca). Como de costume, nos prendemos à série tanto pelo seu cuidadoso retrabalhar dos contos de fadas, como, principalmente, pela complicada e gigantesca teia de relacionamentos entre os personagens – os ships que formamos (hello, Captain Swann!), as alianças criadas em momentos de desespero, os amores envoltos em amargura, em perda e em medo. Amizades, laços e famílias se formaram e se desmancharam ao longo dessas temporadas, e nós, o público, nos envolvemos por eles. Escolhemos lados, nos afeiçoamos aos personagens. É claro que esperávamos, no mínimo, uma identificação semelhante com Wonderland, certo?
Isso provavelmente explica, em parte, a má recepção com o spin-off. Embora tenha tido números bastante decentes na sua estréia, Once Upon a Time in Wonderland tem apresentado uma queda cada vez maior na audiência lá nos EUA, e, infelizmente, está carregando seu predecessor consigo. Em que momento a aposta certeira virou um tiro no pé? Bom, eu tenho alguns palpites. pra variar
Quem assiste OUAT e tem tentado acompanhado Wonderland percebeu que as diferenças entre as duas vão muito além do excesso de chroma key ou dos diferentes universos alternativos que elas retratam. Essencialmente, acho que a linha que difere as duas – e que, invariavelmente, faz a balança pender muito mais pro lado de OUAT que do seu spin-off – está nos personagens e nas suas histórias, até mesmo nas suas curvas dramáticas. Pra ficar mais claro, vamos relembrar, em suma, cada uma delas.
Em Once Upon a Time, temos um time de protagonistas que compartilha um background inicialmente muito supérfluo, mas que vai se aprofundando a cada novo flashback – temos Snow White, que, antes de ser a preguiçosa que esperou com os sete anões para ser salva pelo beijo do seu príncipe Charming, lutou pela libertação de seu povo da tirania da Evil Queen Regina. Temo Regina, que não quer matar Snow White só pelo prazer de ser a mais bela do reino, mas como vingança porque, anos antes, quando Snow era só uma garotinha, ela causou, ainda que acidentalmente, a morte de Daniel, o grande amor da nossa futura vilã – que nem era uma vilã, pra começar, mas se tornou má quando Snow partiu seu coração.
Além disso, há Emma, o fruto do amor entre Snow e Charming, e Rumplestilskin, o Senhor das Trevas, que era um covarde que assumiu uma grande carga de poder para tentar proteger o filho, mas acabou se corrompendo. Filho esse que, mais tarde, fugiu da Floresta Encantada para o nosso mundo, e, muito tempo depois, acabou se envolvendo com Emma, sem saber das suas origens, e teve um filho com ela, Henry, que mais tarde foi adotado por Regina, e que agora foi sequestrado e levado para Neverland. E tudo isso só foi possível porque Regina, em sua fúria, lançou uma maldição sobre sua terra, de modo que todos que ali habitavam passassem a viver numa terra sem magia – Storybrooke – onde ela estivesse sempre no controle, e onde pudesse se vingar de maneira apropriada, sendo a única a saber da verdade, quando todos os outros não se lembravam de suas origens ou de quem deveriam ser.
Ufa. Quanta coisa. E aí, vem Wonderland.
No spin-off temos Alice, que visitou o País das Maravilhas quando criança, mas foi desacreditada pelos pais. Achou seu caminho de volta anos depois, e procurava uma prova de que não estava maluca quando acabou conhecendo Cyrus, um gênio que estava confinado em sua lâmpada, esperando um novo mestre – que, agora, é ela. Ela recebe seus três desejos, mas acaba se apaixonando por Cyrus e decide não usá-los. Enquanto isso, a Rainha Vermelha (que não é Cora, e sim uma boneca de lábios esquisitos e um sotaque terrivelmente afetado) confabula com Jaffar (sim, Jaffar, do Alladin! Afinal, já temos o gênio…) para tomarem o poder de Cyrus e se livrarem de Alice – o que funciona, em partes. Ela é lançada de volta ao mundo humano, onde é internada num sanatório. Mas logo fica claro pros super vilões que Cyrus não pode ser útil enquanto Alice detiver os pedidos, então, numa nova confabulação, eles trazem Alice de volta a Wonderland, onde, enquanto ela tenta recuperar seu amado, que, descobriu agora, está vivo, eles tentam usá-la para usar Cyrus.
Claro que mesmo OUAT começou num ponto muito mais superficial do que aquele em que estamos atualmente – afinal, teve tempo pra isso. Mas não consigo deixar de pensar que, mesmo no comecinho, OUAT tinha muito mais apelo do que Wonderland tem. Não apenas pelos vários níveis que a trama já aparentava ter logo de cara, mas por trazer uma carga emotiva muito maior do background de cada personagem do que Wonderland parece ter. Até agora, Wonderland parece se basear na paixão que Alice, uma garota cuja único passado realmente interessante e relevante tem a ver com o próprio País das Maravilhas, tem por Cyrus, um gênio que, até agora, só mostrou ter importância como pessoa, e não como gênio, para a própria Alice. Temos uma Rainha Vermelha mimada e sem objetivos claros além da auto-afirmação, e um Jaffar que, além de bem pouco convincente, não sabemos exatamente como ele foi parar ali, já que a história dele não deveria se passar nem remotamente perto de Wonderland, então, sério, o que ele está fazendo ali? O único personagem remotamente interessante até agora tem sido o Valete, cheio de intenções e afirmações duvidosas, como tinha de ser – mas não dá pra ele segurar a série sozinho.
Então, pra mim, está aí o ponto em que OUAT brilha e Wonderland tem falhado miseravelmente; não se trata apenas de fazer uma boa história que vai sendo desvendada aos poucos, mas de criar bons personagens, com características e motivações fortes, que consigam segurar essa barra. Enquanto Storybrooke – e, agora, Neverland – apoiava um plot que se baseava numa maldição a ser quebrada e nos vários tipos de relação de amor e ódio em incontáveis personagens cheios de nuances, Wonderland parece ter só a dominação mundial e um amor adolescente apoiado em personagens tão bidimensionais que chega a dar pena. E, enquanto continuar assim, não tem jeito de funcionar. Lá fora, já se fala em uma única temporada para o spin-off; mas até quando a audiência ainda vai aguentar?