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[Séries] Review: Especial de 50 Anos de Doctor Who

O sábado passado, dia 23 de Novembro, vai ficar marcado para sempre na memória de muitos Whovians; foi o dia em que a série britânica Doctor Who completou seu 50º aniversário, e teve seu muito ansiado episódio comemorativo exibido em cinemas do mundo todo simultaneamente à exibição na BBC One do Reino Unido, o que lhe garantiu não somente mais um prêmio no Guiness, o livro dos recordes, como também uma massa de fãs histéricos morrendo ao redor do globo.

E como eu não sou fraca nem nada, sobrevivi ao especial The Day of the Doctor e já assisti de novo ao episódio pra poder contar tim-tim por tim-tim pra vocês – afinal, é daqueles episódios tão complexos e cheios de referências que não basta ver uma vez pra captar tudo, e eu não queria deixar nadinha passar. Então todos apertem os cintos. Entrem na Tardis e vamos relembrar esses 76 minutos de surto ininterrupto.

A alegria começou muito antes do Especial, num dos prequels liberados pelo Youtube (não viu? Clique aqui!). Num momento de pura magia, dor e feels, vimos o 8º Doctor do nosso saudoso e muito pouco aproveitado Paul MacGann sucumbindo à Time War inevitável e se regenerando num John Hurt mais novo, que virá a ser seu rosto de guerra – a vida sobre a qual ele não fala, a regeneração que ele prefere fingir que não existiu. Essa era a vibe pré-episódio de todo o fandom.

Chegamos no cinema. Depois de uma vida inteira de propagandas, uma pequena introdução cômica em que o General Strax, nosso Sontaran potato-head preferido, dá instruções claras de etiqueta no cinema enquanto devora pipocas – afinal, pipocas também sentem dor. Como se nada disso fosse adorável o bastante, há uma breve introdução com uma nova onda de recomendações em tela branca, onde Matt Smith e David Tennant trocam constantemente de lugar, até coincidirem numa mesma tela; um respiro quase proposital pro fandom gritar antes mesmo de o 10th aparecer no episódio de fato.

Depois de exibir abertura e theme-song originais da primeira temporada da série clássica (se você nunca viu, clique aqui), somos transportados à escola onde Clara Oswald está lecionando – e lá, logo de cara, somos recebidos com duas referências bem no meio da cara: o I.M.Foreman na plaquinha do lado de fora do colégio (Susan Foreman era o nome da neta do Doctor, sua primeira companion da série clássica), e outra, mais difícil de enxergar, que é o NO MORE TIME que Clara apaga da lousa. A gente ainda não sabe, mas No More é a frase chave do especial! Pois bem, Clara recebe um chamado do Doctor e vai ao seu encontro. Mal chegou e eles sentem a Tardis sendo literalmente içada, pelo que eles mais tarde descobrem ser um helicóptero a comando da UNIT (lembram deles? Terceira temporada moderna, coisa e tal), que tem à sua frente Kate Stewart, filha do Brigadeiro Lethbridge-Stewart (companion da série clássica). E o convite forçado ao Museu Britânico é, na verdade, um pedido de ajuda.

[N/A: Pra facilitar a vida, estou colocando os eventos em ordem cronológica, pra não ficar fazendo um vai-e-volta muito grande entre alguns acontecimentos]

Chegando lá, Doctor recebe uma carta da Rainha Elizabeth I, que o nomeou Curador da Galeria Subterrânea (e que, logo descobrimos, é uma subgaleria do museu onde ficam as obras que não podem ser de conhecimento público) e onde indica que ele deve ser chamado em qualquer caso de emergência. E assim fez Kate Stewart. Doctor e Clara são levados, então, para ver as “credenciais” que comprovam a veracidade da carta: uma imensa e magnífica pintura a óleo (mas, milagrosa e curiosamente em três dimensões) que traz um título dúbio: “No More” ou “Gallifrey Falls”, e que mostra a queda de Arcadia, a segunda cidade de Gallifrey, durante a Time War. A obra é uma criação de Time Lords, e por isso sua concepção aparentemente impossível; é um instante do tempo congelado e mantido intacto dentro de uma moldura que é maior por dentro. E aquela não é a única obra do tipo no museu. Há outras na Galeria Subterrânea, pinturas cujas proteções de vidro foram estilhaçadas por dentro e cujas figuras desapareceram. Em meio à sua procura por respostas, uma janela temporal se abre, ao mesmo tempo em que uma nova memória lhe desperta. Logo fica claro o que ele tem que fazer, e o Doctor pula pela abertura.

Na Inglaterra do século dezesseis, o Doctor em sua 10ª regeneração acaba de pedir a Rainha Elizabeth I em casamento – proposta que é prontamente aceita, mas interrompida por um desespero maior: Zygons, criaturas metamorfas que se disfarçam de qualquer forma animal ou humana, estão invadindo a Terra e perseguindo a Rainha. Enquanto nosso Doctor tenta salvá-la, outra janela temporal se escancara e traz consigo primeiro uma fez e então, para sua surpresa, um homem. Ele mesmo. Sua próxima regeneração, embora ainda não saiba disso.

Enquanto isso, em Gallifrey, quatrocentos anos antes, a Time War está no seu auge. Arcadia está sucumbindo e o Doctor não pode mais ver seu povo ser massacrado pelos Daleks. Todas as armas foram usadas – menos uma. E ele a rouba, levando-a para um lugar afastado, onde ninguém poderá impedi-lo de tomar a decisão mais difícil de sua vida: sacrificar milhares para salvar milhões. É a hora de usar o Momento, a maior arma de destruição em massa inventada pelos Time Lords. Exceto por um probleminha. A arma desenvolveu uma interface inteligente, que se projeta para além de seu casco e tenta influenciar o usuário. E, no momento, essa interface atende pelo nome de Rose Tyler. Ou melhor: Bad Wolf.

Aqui vou fazer uma pausa na cronologia pra comentar o quanto é inteligente que Rose/Bad Wolf tenha sido a escolhida para ser o rosto da interface. Doctor teve e terá dezenas de companions, mas ela foi a escolhida. Não tem a ver com importância – afinal, para o nosso não-Doctor (já que ele insiste que não pode se dar esse título) da Time War, Rose ainda não existiu, e ele não faz ideia de quem seja essa menina ou do que ela significa. Tem a ver com apelo. Se pararmos pra pensar, Rose Tyler se torna companion do Doctor imediatamente depois da Time War, tempo em que ele está amedrontado, desiludido e com um potencial de destruição ainda bem evidente. Rose é o grande símbolo de redenção que marca as primeiras regenerações da série moderna; ela é a companion cuja bondade e generosidade constantemente se tornavam um apelo para mudanças de comportamento no próprio Doctor, quando não em outros. Vale lembrar também que Bad Wolf é o nome dado à consciência expandida de Rose ao absorver o vortex da Tardis, e que ela usou justamente para salvar pessoas.  Não é acaso que a interface escolha ela e justamente ela para vestir; Rose é a consciência externa do Doctor, e será ainda, por muito tempo. Se ela não puder convencê-lo a mudar de ideia, ninguém mais conseguirá.

Voltando a Gallifrey, nosso War-Doctor e a interface conversam, num longo debate sobre os prós e contras de utilizar o Momento para dar um fim à Time War. Seu castigo será seguir vivo enquanto todos os demais morrem, e sua sobrevivência terá um custo alto para sua consciência. Ele não pode decidir sem saber qual é, sem ver a que isso irá levá-lo. É aí que ela abre uma janela temporal, com conexões diretas para o futuro do Doctor em momentos decisivos e ele escorrega diretamente para 1562, de encontro a duas de suas próximas regenerações. Antes que mais perguntas possam ser esclarecidas, eles são presos e removidos para a Torre de Londres, numa dica sutil para Clara e Kate Stewart (ainda na Londres moderna) sobre seu próximo destino.

No mundo moderno, o inferno já abriu suas portas. Clara não sabe, mas a Kate que a está acompanhando não é a Kate de verdade, e sim um Zygon disfarçado – e elas seguem diretamente para o Arquivo Negro, uma sala com toda a tecnologia alienígena em posse da UNIT e onde a Tardis não consegue aterrizar. Elas estão ali em busca do Manipulador de Vórtice capturado após uma das mortes do Capitão Jack Harkness (que saudade de você, seu lindo! Por que te citaram e não te convidaram pra aparecer? Malvados!). Quando fica claro que Kate e seus assistentes não são quem parecem ser, Clara faz a única coisa coerente – pega o Manipulador e se manda em busca do Doctor.

A essa altura, os três já estão tendo o debate existencial mais intenso de todas as suas vidas. Instigado pela Interface, o War-Doctor questiona seus futuros “eus” sobre as consequências da medida drástica que ele ainda não tomou – quantas crianças morreram em Gallifrey naquele dia? É aí que se desenha uma linha que divide as características de cada regeneração, ao mesmo tempo em que também as assemelha; enquanto o 10th (vamos ignorar a recontagem de Doctors por enquanto) sabe o número exato e é devorado diariamente por seu arrependimento, o 11th diz, com toda a indiferença fingida que lhe cabe, que ele não sabe. E se soubesse, que diferença faria? Era a única solução. Saber os números não muda o fato. Ele seguiu em frente.

Aqui é importante pensarmos nas características e nas vivências individuais de cada um deles. Para o 10th – que, possivelmente, vive aquele momento num gap pós-Martha mas ainda pré-Donna – a dor da perda e da culpa ainda são feridas recentes. Ele tem séculos a menos de vivência, está há apenas uma regeneração de distância da Time War, e há pouquíssimo tempo viu Rose ficar presa numa dimensão paralela. Ele se arrependeu e murmurou tristezas sobre ela ao longo de toda a terceira temporada. Em contrapartida, 11th se despediu de seus dois melhores amigos, Amy e Rory, e se encaminha para o derradeiro final de River Song – e, se pensarmos em Trenzalore e na Biblioteca, ele já se despediu dela mais de uma vez – mas pode contar com Clara. Ele seguiu em frente, e ele não rumina despedidas, mas isso não quer dizer que tenha esquecido. Ele se lembra – do mesmo jeito como se lembrou de Rose quando a Tardis pousou na Bad Wolf Bay, e do mesmo jeito como se lembra de tudo que já lhe aconteceu, mas é de seu feitio fingir não se importar. Ele se fecha para certas dores porque sua regeneração passada foi consumida por elas. Nenhuma das duas escolhas é melhor do que a outra, mas ambas são consequência dos acontecimentos durante a Time War.

Após os debates, vem a questão: como eles irão sair dali? A ideia de desintegrar a porta usando a Screwdriver parece boa (embora eu precise apontar um erro aí: a droga da porta é de MADEIRA! E a Sonic NÃO FUNCIONA EM MADEIRA. Mas tudo bem, Moffat, eu te perdoo), mas os cálculos sozinhos demorariam anos, séculos até. Felizmente, eles tem eras bem ali, naquele momento – uma mesma Sonic Screwdriver em três momentos distintos, separada por séculos, mas cujos cálculos podem ser concluídos, num lapso muito bem pensado, em instantes. No final, contudo, nada disso é necessário. Clara chega de sua viagem com o Manipulador de Vórtice e constata que a porta do calabouço estava aberta o tempo todo. Mas antes que eles possam tentar escapar, a suposta versao Zygon da Rainha Elizabeth (que é a real, mas eles ainda não sabem) os encaminha para onde os outros Zygon preparam seu plano de dominação – se esconder em quadros de Gallifrey usando a mesma técnica de animação suspensa que possibilitou as pinturas, para escapar quando a época fosse mais propícia (sacou agora o rolê no museu?). E somente o Doctor – em todas as suas versões reunidas – pode impedir.

Os três, acompanhados de Clara (e da Interface, ainda que só o War-Doctor possa vê-la) se mandam para o mundo moderno, mas Clara logo se lembra que a Tardis não pode entrar no Arquivo Negro. É preciso um plano B – o 11th usa o telefone da Tardis para ligar para um dos assistentes de Kate Stewart, que se responsabiliza por transportar o quadro “Gallifrey Falls” para dentro do Arquivo Negro. E, com o cubo de animação suspensa, eles vão todos para dentro do quadro.

Enquanto isso, no Arquivo Negro, Kate Stewart e seus assistentes já chegaram para acabar com a festa dos invasores Zygon, ativando a detonação iminente de uma ogiva nuclear sob o prédio – sacrificar toda a cidade de Londres para impedir uma invasão alienígena que pode extinguir a raça humana parece um preço pequeno a se pagar. Mas não se o(s) Doctor(s) puder impedir. Emergindo bem a tempo de dentro do quadro, eles são capazes de manipular a consciência de todos na sala para não saberem se são humanos ou Zygon – logo, o conflito terá de ser resolvido pacificamente, ou resultará na morte de todos. É nessa atmosfera que Clara se dá conta de que o War-Doctor ainda está em cima do muro que o separa da destruição de Gallifrey; ainda dá tempo de voltar atrás. Mas ela não tem tempo de convencê-lo, e logo ele já se mandou de volta para seu próprio tempo em Gallifrey.

Ele ainda está convencido de que a destruição é a melhor solução – mais ainda agora que viu seu futuro. Arrependimentos à parte, ver quem ele se tornou o fez perceber que seu luto foi parte do que o motivou a salvar milhares através do tempo e espaço; além disso, ele sabe que não há outra escolha. Antes que possa apertar o “grande botão vermelho”, contudo, ele é surpreendido pelo sinal da esperança: o som da Tardis, que vem trazendo suas outras regenerações (e Clara), e que não o deixarão passar por esse momento sozinho.

É só aí que cai a ficha. Eles não precisam destruir. O Momento não precisa ser usado. Há outra forma. A forma como os Zygons se transportaram entre as eras. O modo como eles invadiram o Arquivo Negro. E se, em meio à Time War, Gallifrey simplesmente desaparecesse? Os cálculos por si só levariam séculos – mas, felizmente, esse tempo pode ser transposto em questão de segundos.

Daí pro final, é uma chuva de homenagens aos cinquenta anos da série, clara e simplesmente. Usando inserções de episódios antigos (e um rápido insert da Peter Capaldi, o Doctor que ainda está por vir), vemos o Doctor em suas diferentes regenerações surgindo para se juntar à operação que resgatará Gallifrey e o prenderá num instante suspenso do tempo dentro de um quadro – um quadro que conhecemos como “Gallifrey Falls” ou “No More”. Descobrimos que, embora tenha vivido isso em três momentos distintos de sua vida, o Doctor não se lembrará de seu longo dilema, nem de que tentou salvar Gallifrey, ao invés de destrui-la; o peso do arrependimento e do luto, portanto, permanecerão com ele até sua 11ª regeneração (ok, 12ª agora!), época em que ele saberá (ou melhor, se lembrará) de tudo que foi vivido. Vemos, então, a despedida do War-Doctor e seu princípio de regeneração nunca concretizado no que conhecemos como o 9th Doctor, e o momento em que ele indiretamente tira sarro das orelhas de abano de Chris Eccleston. Depois, a despedida dolorosa do 10th em que ele diz “I don’t wanna go” quando 11th lhe conta que tudo o está levando rumo a Trenzalore – e a piadinha do 11th ao afirmar que “ele diz isso sempre”. E, por fim, a grandiosa aparição de Tom Baker, saudoso 4th Doctor, como o misterioso curador do museu, que vem desatar alguns nós e atar outros.

É o curador que anuncia que, em breve, o Doctor estará revisitando seu passado – “the old favorites”, é o que ele diz – e fica aberta a questão de que outras regenerações e/ou companions em potencial podem aparecer no Especial de Natal e na oitava temporada. Ele também anuncia que o título real do quadro não é nem “No More” nem “Gallifrey Falls”, e sim “Gallifrey Falls No More” – algo como “Gallifrey não sucumbe mais”. Isso significa que funcionou, que Gallifrey está a salvo e pode ser recuperada? Difícil de saber, e obviamente um plot ainda a ser explorado nos próximos episódios. Até lá, o Doctor sonha que está indo para casa.

The Day of the Doctor foi mais do que só um episódio de Doctor Who e mais do que só um especial de aniversário. Fosse apenas um episódio comemorativo, eu talvez não reagisse da mesma maneira nem com tanta intensidade como estou reagindo agora. Mas se tem uma coisa que Steven Moffat – esse velho, maldito, troll e genial showrunner, culpado por tudo, desde o aumento do orçamento da série, até a crise econômica mundial – sabe fazer é aproveitar uma deixa. Ele não se limitou a dar continuidade aos eventos de The Name of the Doctor, season finale da temporada passada – ele criou um plot inteiro a partir de uma fagulha, ele sapateou na nossa cara e provou que não é, afinal, o horrível desrespeitoso escritor que ignora todo o passado da série em prol de seu ego megalomaníaco. Ele amarrou coisas que Russel T. Davies deixou soltas (o casamento acidental com Elizabeth I, o fato de o Master ter sobrevivido, o fato de os Daleks terem sobrevivido) e conseguiu dar voz a uma nova era que consegue juntar toda a sua capacidade de criar enredos mirabolantes com a sua genialidade em fechá-los.  Não sei vocês, mas pra mim dia 25 de Dezembro parece longe demais pra conseguir esperar. Quero só ver o que Moffat Noel reservou para nós…

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