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[TrolandoD20em20] Além do Frio das Montanhas Nebulosas

Depois do vazio criativo da coluna da semana passada, fiz o que eu mesmo sugeri e acabei indo ver um filme. “O Hobbit: A Desolação de Smaug”, especificamente. É inacreditável como um filme daquele atiçou a minha memória RPGista em suas três horas de duração e acabei saindo de lá mais afiado do que nunca. Inclusive, para essa matéria, vou puxar diversos pontos que O Senhor dos Anéis e seus derivados, ou melhor, que Tolkien, de um modo geral, se relaciona com a questão do RPG.

De início, eu sustento a ideia de que o criador moral do RPG é ele. Isto é, não desmerecendo Gary Gygax e Dave Arneson (que Deus os tenha), que, a partir de um Wargame, desenvolveram a questão de interpretação metafísica e subjetiva. Digamos que eles foram os responsáveis por desenvolver o sistema. Mas eu duvido que isso tivesse acontecido caso Tolkien não tivesse criado o primeiro cenário antes mesmo do RPG propriamente dito existir. Ele criou tudo, mapas, NPC’s famosos, raças e etc. A maneira como foi feito e a vastidão do universo por ele criado é reproduzido até hoje em cenários famosos, como Forgotten Realms e Tormenta. O RPG, portanto, deve ao Tolkien. Se existe algum criador moral do RPG ou ainda um proto-Dungeon Master é ele. Acabou. E tudo seguindo aquele esquema eu foi dito anteriormente. Pega um número X de conceitos já existentes e os sincretiza, criando algo novo e impressionante (no caso de Tolkien, a influência maior é a própria mitologia nórdica).

Outro ponto que quero colocar é a questão da Adaptação. Eu tive certa sensação agonia quando anunciaram que o Peter Jackson ia fazer o filme. Ao contrário de Senhor dos Anéis, O Hobbit não é um conto épico e pesado. É um livro infantil mesmo de um pequeno Hobbit que saiu de sua Terra para enfrentar um Dragão. É quase um conto de fada. A situação só piorou quando anunciaram que seria uma adaptação em três partes. Quando fui ver “Uma Jornada Inesperada”, minhas expectativas estavam lá embaixo, bem como a minha boa vontade de acreditar que vai sair alguma coisa de lá. Pô, eu li o Hobbit com 13 anos e é o meu favorito do Tolkien, eu estava mesmo apreensivo.

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Mero engano! No primeiro filme, achei que poderiam ter deixado uma porrada de sidestories de lado, mas ainda assim, foi um filme divertidíssimo. Não ficou essencialmente pesado ou obscuro, como eu temia e conseguiu ficar relativamente leve e alegre, com uma vibração positiva mesmo nas cenas mais escuras. A cena dos Trolls, por exemplo, é divertidíssima. Até as sequências musicais ficaram boas. Se eu tivesse ouvido que tinha algo assim antes, eu ia reclamar até a morte. Imagina só, colocar sequências musicais em O Hobbit. Heresia! No fim das contas, uma experiência extremamente agradável e que me surpreendeu.

Na segunda parte, minhas expectativas estavam altas já. Acabei indo assistir e foram muito bem mais do que correspondidas. O filme ficou perfeito. A sequência dos barris no rio é uma das mais geniais na história recente do cinema. Apesar do terceiro ato deveras extenso, provou que o Hobbit, não sendo uma adaptação essencialmente fiel ao livro, está à altura de carregar tal nome.

Alguns fãs mais ortodoxos de Tolkien reclamaram, falando que o Anão Gigante de Ouro é brega. Que a divisão em três filmes ainda não é justificável (eu achava isso, mas hoje aceito e admito com o maior prazer que eu queimei a língua e estava errado). Que o Troll de voz fina do primeiro filme é inaceitável. Ah. E daí? É divertido, cacete! Não é uma obra-prima épica como o Senhor dos Anéis é. Aliás, nem almeja isso, a julgar pelos efeitos especiais que são piores do que a trilogia de quase dez anos atrás (em alguns momentos, se falassem que era de um jogo de Playstation 3, eu acreditava). É um filme divertido.

O RPG também. É para ser divertido.

Eu mesmo como mestre (e acredito que nem sempre só eu), às vezes esqueço isso. Tentando criar uma narrativa épica, acabo esquecendo que o foco principal é justamente a diversão. Uma narrativa complexa e elaborada não é necessariamente divertida. O Hobbit prova isso. Não vou ignorar que o Peter Jackson deixou a obra um pouco mais complexa do que ela realmente é, mas nada aos pés de Senhor dos Anéis, como eu imaginei que ele tentaria fazer. Às vezes, um enredo simples de uma galera que almeja matar um dragão, roubar um artefato ou qualquer outra besteira que parece simples e sem criatividade é muito mais divertido na mesa do que uma trama cheia de enredo denso, com tramoias, traições, intrigas e o cacete a quatro.

O Hobbit inspira as pessoas. É simplesmente um filme bem feito e divertido. O RPGista sai do cinema com um anseio desesperado para jogar alguma coisa e se sentir incluso em uma aventura como aquela. Os mestres querem se divertir criando uma narrativa que também seja divertida. E que estimule um retorno, assim como foram os Cliffhangers dos dois primeiros filmes. Você desesperado, não querendo que acabe aquilo quando de repente, a tela preta com “Peter Jackson” escrita ao som de “Song of Lonely Mountain” ou “I See Fire”, canções que até hoje arrepiam os meus pelos do braço quando escuto. (Esse segundo filme, aliás, eu estava assistindo desesperado para que não acabasse em cada momento épico que acontecia). Ainda bem que o próximo é em Julho. Não sei se aguentaria esperar até Dezembro de novo para o encerramento dessa não-épica adaptação.

É tudo uma questão de simplicidade. Eu comecei a jogar RPG com aventuras simples. E que divertiam tanto a mim, como mestre, quanto os jogadores. O próprio Tolkien, apesar de ser um acadêmico da literatura inglesa de mão cheia, é sempre lembrado por ter sido o cara que começou contando as histórias para os filhos dormirem.

O que eu estou tentando dizer é que O RPG, quando começa a ficar chato, deveria retornar à sua fonte e suas origens simples de vez em quando, porque divertem. Esgueirar-se em masmorras e matar dragões. Percorrer florestas escuras atrás de Beholders. Aceitar um contrato para acabar com um mago necromante. Salvar um vilarejo de ataques de monstros.

Ou ainda, rumar além do frio das montanhas nebulosas em direção às profundas masmorras e velhas cavernas antes que anoiteça atrás do há muito esquecido ouro.

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