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[TrolandoD20em20] Criaturas e Mitos: Dragões por Mateus Oliveira

Por Mateus Oliveira

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Uma boa partida de RPG só é válida com um grande empecilho, e quanto mais perigoso ele for, melhor é! Um vilão praticamente imbatível ou uma criatura que parece imortal (e provavelmente será, já que o mestre na maioria das vezes irá ressuscitá-lo de alguma forma por ter se decepcionado com a criatura que partiu tão logo no enredo) são cruciais para manter a mesa em alvoroço. Mas torna-lo crível e com sua história e regras bem definidos é fundamental e a linha básica para uma aventura duradoura.

Pensando em ajudar os rpgmaníacos a pautar suas histórias, a coluna de hoje vai fornecer algumas informações curiosas e importantes sobre um bom perigo para a próxima Noite do RPG que você enfrentar. Que tal começar com um clássico muitas vezes mal interpretado?

Os dragões são antagonistas tão antigos quanto os bruxos do mal e, como estes, já chegaram a cair em desuso para serem revitalizados anos depois por novas gerações. O esgotamento de clichês muitas vezes é a causa deste mal; no entanto, se voltarmos para a mitologia e as lendas antigas, veremos que ele é tão intrigante quanto um livro novo do George R.R. Martin. A crença de sua existência data de mais de quatro mil anos atrás, em dois polos distintos: no Mediterrâneo, onde era visto como uma serpente alada, muitas vezes com patas, ou um ser aquático aterrador, sempre símbolo do poder do mau e da perversão; e no Oriente, como uma serpente gigante, ora um símbolo de poder e sabedoria, ora como um presságio ruim e eventos naturais catastróficos. A visão mediterrânea do mito seria aquela que sustentaria a crença cristã do dragão como uma criatura má e aterrorizante a ser derrotada por um guerreiro (cristão) destemido e que, por consequência, fixaria este retrato da criatura na nossa sociedade atual, embasada pela literatura da Idade Média e da fantasia do século XIX e XX.

Muito provavelmente a imagem de uma cobra ou lagarto gigantescos tenha vindo dos fósseis descobertos ocasionalmente no deserto antigo ou no exagero das histórias a respeito dos imensos répteis do Sudeste Asiático, dos crocodilos africanos ou até mesmo das jiboias de florestas subtropicais (embora as maiores cobras se encontrem na América e na Oceania, continentes ainda desconhecidos naquela época). Misteriosamente, os astecas, que também possuíam suas próprias lendas a respeito dos dragões, pintavam quadros há cerca de quatrocentos anos atrás com cenas de encontro entre seres humanos e dinossauros, exatamente como sabemos que eles são hoje em dia. Teriam eles convivido com os verdadeiros dragões?

A partir dos contos e das suposições, a identidade dos dragões foi criada de forma peculiar por cada sociedade. Preservaram seu caráter benevolente somente nos amuletos orientais,
principalmente da China, mas cravaram a alcunha de malévolos no restante da sociedade. No
entanto, como criaturas maléficas, eram os dragões selvagens ou inteligentes?

Mesmo que no oriente eles fossem considerados seres da sabedoria, os dragões sempre foram criaturas da natureza, selvagens, que agiam como tinham de agir, regentes somente dos
elementos da Terra. Nos mitos europeus não passavam de cuspidores de fogo letais e raros os mitos chineses em que eles falam. J.R.R. Tolkien, no entanto, inspirado na mitologia anglo-saxã e escandinava, onde a existência de criaturas monstruosas e inteligentes é vasta, mixa contos clássicos (como o de Beowulf & Grendel) e cria uma mitologia própria, trazendo a vida um dos primeiros dragões falantes: Smaug! Nem tudo, porém, é novo no conceito do temível vilão de O Hobbit, e até mesmo mestre Tolkien seguiu as regras que regiam há anos os dragões.

Como o catolicismo pregava contra a avareza, sendo os servos e padres obrigados a fazerem voto de pobreza para participarem do clérigo, nada mais óbvio do que tornar os diabólicos dragões como símbolos da avareza e da ganância. Sendo assim, Smaug não foi o primeiro dragão acumulador de tesouros, contos do século XII já colocavam pilhas de ouro dentro de cavernas protegidas por dragões e se dizia que qualquer príncipe ou burguês por demais gananciosos atraía o olfato de um dragão e era por ele consumido em chamas (uma metáfora à punição do inferno). Este é um bom motivo para um ataque desta criatura, ou uma forma de emboscá-lo!

A composição das escamas de um dragão, além de sua peculiar aparência, é um ponto importante na narrativa do mito – e outra regra básica para quem quer criar seu próprio exemplar. O dragão escandinavo possui proteção praticamente impenetrável, e é uma criatura dita como imortal e invencível, associada ao próprio Ragnarok (o apocalipse da mitologia nórdica). Se o seu desejo não é o de ter um dragão que seja praticamente um deus dentro da
trama, então é melhor deixar de lado os escandinavos.

Os dragões orientais têm seu composto ligado ao elemento a qual pertencem, bem como sua fraqueza seguindo o mesmo padrão. Ou seja, um dragão do elemento do fogo possui sua fraqueza nos rios, uma serpente dos rios geralmente é mais fraca se atraída a terra, e assim por diante. No entanto, dificilmente são destruídos por lanças e espadas de lâminas normais, pois seu ponto fraco não está associado a um ponto específico de seu corpo, mas sim ao envolvimento natural que possuem; este é o forte da mitologia japonesa e chinesa onde as batalhas e seres fantásticos representam os valores emocionais e o respeito à natureza.

Os dragões europeus estão mais ligados às crenças e à força bruta. Os dragões menos poderosos da Escandinávia eram decapitados por machados, como se fossem serpentes do ar ou ursos, sempre confrontados por um líder experiente, valorizando a idade adulta e o tempo de combate de um homem. Retirando desta fonte, os anglo-saxões e pagãos identificavam o ponto fraco de um dragão como uma falha no peito da criatura, exatamente onde se localiza o coração, que pode ser perfurado por uma lança comum ou por armas abençoadas em ritos mágicos – o que inspiraria Tolkien em O Hobbit e aos criadores do filme Coração de Dragão. Já a era cristã adaptou a mesma regra, colocando como um fiel escolhido por Deus como o vencedor a destruir o dragão e ser abençoado com a herança deixada pela criatura.

Os poderes destas serpentes aladas só variam em dois pontos: no Oriente, onde cada dragão possui sua propriedade mágica, dependendo do elemento a que se refere, podendo ser também um amuleto de sorte e prosperidade; e na hierarquia mitológica nórdica que, como já dito, pode colocá-lo próximo ao mito dos deuses, como senhores da criação e da destruição. No restante, eles são praticamente animais como os demais, tendo sua ameaça centrada na força e peso, assim como o temor de um ataque aéreo. Ou seja, a anatomia do dragão seria sua principal arma, com suas garras, presas e cauda. A adesão do fogo soprado pelas narinas é recorrente, mas não uma regra. O Leviatã e o Behemoth, os mais antigos dragões citados em literatura escrita, só assustavam por sua estrutura colossal, mas nenhum expelia qualquer tipo de magia ou elemento. Os mitos babilônicos seguem a mesma ordem, no entanto após a morte o sangue de um dragão despejaria alguma propriedade mágica sobre a terra – como no mito inglês em que, das feridas feitas pela lança de um monge, o sangue do dragão que respingava no chão fazia com que lírios brotassem.

Por fim, os dragões estão no imaginário do povo e nas mesas de RPG desde tempos imemoriais e nos surpreendem pela proximidade com criaturas pré-históricas reais: o mito do dragão poderia ser uma representação de como seria um dinossauro vivendo junto de humanos, e o resultado que temos não é nada bom é. Ou é, para os mestres de RPG mais criativos e maléficos! Explorar o mito e a história de um dragão em seu enredo torna a criatura ainda mais terrível e adaptá-la ao ambiente em que ela irá aparecer pode tornar o combate um dos pontos mais altos da aventura!

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