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Buffy e o feminismo

Já tem algum tempo que eu venho assistindo Buffy, aos poucos, já que eu tenho um pouco de dificuldade pra assimilar o senso de moda daquela época. Todo nerd que se preze sabe quem é Buffy, já ouviram o famoso “what would Buffy do?” e etc, mas meu ponto aqui é falar um pouco sobre como a personagem Buffy contribuiu para quebrar paradigmas machistas dentro do universo nerd, que é extremamente machista por natureza.

Mas se você não conhece a história de Buffy: The Vampire Slayer, vamos a um breve resumo: uma garota é escolhida a cada geração para conduzir um legado milenar: caçar e destruir vampiros e ameaças sobrenaturais. Essa garota é conhecida como slayer, e na série temos o foco na Buffy Summer, a nossa slayer do coração <3. Acompanhamos ela e seus amigos numa espécie de scooby gang que lutam contra as coisas do mal, simples assim.

BuffyCast-S1_(1)
Cast principal da primeira temporada (e pretty much do resto da série)

Então vamos por partes, para eu explicar como a série contribuiu, eu preciso explicar por que o mundo nerd é machista. Se eu te pedir pra imaginar uma heroína que já existe, me diga quantas das características abaixo ela possui:

– Gostosa

– Moderadamente inteligente

– Pelo menos um caso amoroso mal resolvido que ainda a perturba

– Passado conturbado

– Usa roupas/armaduras/catsuits que parecem desconfortáveis e pouco protetores

Eu podia continuar, mas vamos parar aqui. Pelo menos duas dessas características ela deve ter. Isso tem problema? Não, CLARO que não, uma personagem feminina forte pode ser gostosa, andar por aí de catsuit e etc. O problema é quando TODAS as personagens tomam esse molde, essa coisa de sex symbol.

Aí tu me diz “mas Carol, os homens são o público majoritário do mundo nerd, eles gostam disso”, o que again, não é um problema eles gostarem de mulheres gostosas em catsuits. O problema é que esse modelo de personagem unidimensional, no máximo bidimensional, com características padrão e sempre posando sugestivamente nos desenhos perpetua um sistema escroto e opressor, um sistema que vai bem além do ‘mundo nerd’.

É por causa dessa idealização feminina criada pelos itens de consumo nerd que você encontra centenas de posts na internet com histórias horríveis de convenções de quadrinhos, de gurias rechaçadas por que não se encaixavam naquele molde do personagem que estavam fazendo cosplay, histórias de ódio e puro machismo. Quando eu penso em fazer um cosplay, eu penso em fazer por que vai ser divertido, por que é a chance de ‘brincar de ser outra pessoa’ por um dia, é justo que um cara que nunca me viu na vida tenha direito de me xingar só por que eu não encaixo no body type do personagem? I don’t think so.

you go girl (H)

Então, agora que vocês entenderam um pouco, entra Buffy. Ela é badass, ela é sim bonita. Só que ela não é uma personagem padrão, ela é só uma adolescente com um trabalho extremamente complicado.

Por mais que ela tenha super força, amigos e interesses amorosos mal resolvidos, ela trouxe para esse universo dos nerds a possibilidade de uma garota, uma mulher, lutar por algo sem ter que sempre ser a donzela em perigo. A possibilidade de um item de consumo nerd ranquear bem no bechdel spectrum, uma espécie de critério pelo qual podemos avaliar o tipo de desenvolvimento das personagens femininas. Funciona assim (tanto pra séries quando filmes): Existem pelo menos duas mulheres nesta obra? Elas conversam na obra? Elas conversam sobre algum assunto que não envolva homens? Se a resposta pra ultima pergunta for um sonoro ‘não’, fail no bechdel.

Falhar ali quer dizer que aquelas personagens estão ali só pra reafirmar o protagonismo do cara, que essas personagens são só eye candy ou vilãs sexualizadas, mostra que provavelmente as personagens desse filme ou série são unidimensionais, serve pra reforçar aquela ideia machista de que mulher só sabe conversar sobre homem.

Buffy é a heroína que o mundo nerd precisava, uma heroína que precisa sim de ajuda de outras pessoas, mas também consegue dar conta do problema sozinha. Aquela que tem mais problemas do que só o Angel, e que desmistifica a ideia grotesca de não existe amizade entre mulheres ou entre homens e mulheres. A série foi ousada o bastante para retratar um relacionamento lésbico e uma personagem bissexual sem estereótipos, coisa que as redes brasileiras ainda não conseguiram (oi, Globo, estou olhando para você).

Além disso a série também explora temas recorrentes dentro do conjunto da obra de Joss Whedon, temas que mostram o forte viés feminista que ele coloca no que faz: estruturas familiares pouco convencionais, a ausência do pai tratada com naturalidade e não over drama, mães solteiras, o papel de profissional da mulher, quebra do branco e preto de bem e mal (na série quase tudo é cinza), sexo como algo natural e nada digno de tabu.

Ó, meu deus, uma heroína não hiper sexualizada! Que absurdo :O

A série tem falhas? Sim, afinal de contas desde o lançamento dela até hoje as questões feministas avançaram bastante. Existe pouca diversidade de mulheres na série, a maior parte são garotas, brancas, magras, cabelos lisos e classe média americana. Mas dentro do mundinho nerd, Buffy ainda é um ícone de conteúdo, como uma série fantástica e bem feita, e um exemplo de como desenvolver personagens femininas que se sustentem sem ter que assumir só características ‘masculinas’, que sejam capazes de interagir com outras garotas de maneira companheira.

Buffy é uma série em que a protagonista consegue falar “eu não faço a mínima idéia do que eu to fazendo, as pessoas esperam que eu conserte isso mas eu não sei como” sem fazer parecer heróico e “olhe para mim, eu sou uma personagem feminina forte que enterro meus sentimentos e fraquezas para compensar o fato de que sou uma mulher”, ela fala como ela realmente se sente: perdida.

Eu espero que vocês tenham entendido onde eu quero chegar, entendo que tem muita gente que acha que feminista faz tempestade em copo d’água e etc, mas a verdade é bem diferente disso. Espero também que vocês se animem pra ver Buffy, já que a série é AWESOME, independente do viés grrl Power, afinal de contas temos vampiros de verdade, daqueles que ainda morrem no sol <3

 

Recomendo a leitura:

E pra quem entende inglês tem esse infográfico sobre personagens femininas, vale MUITO a pena ler:  e esse texto que é muito bom sobre o mundo nerd e o machismo

TEXTO ESCRITO POR CAROL FELTEN PARA O PAUSA PARA UM CAFÉ

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