Quem matou Laura Palmer?
Essa foi a pergunta que mobilizou grande parte dos telespectadores norte-americanos em 1990, desde que o episódio piloto de Twin Peaks foi ao ar pela primeira vez, em abril daquele ano. A série foi um sucesso inquestionável de público e crítica, e até hoje inspira outras obras televisivas pela criatividade de seus criadores, David Lynch e Mark Frost.
Você já ouviu falar nessa série mas não entendeu nada? Já teve curiosidade para saber quem, afinal, era Laura Palmer? Tem vontade de assistir, mas tem preguiça de pesquisar sobre o plot de Twin Peaks? Vem comigo, que eu te explico o porquê que você precisa conhecer essa história.
Twin Peaks é uma cidade pequena (e fictícia) localizada no estado de Washington, Estados Unidos. A comunidade é daquelas em que todos conhecem todos, e as conversas sobre banalidades do tempo se dão entre os cafés e tortas da lancheria Double R, enquanto os mais jovens preferem o ambiente descolado e a cerveja do bar Roadhouse. Nesse lugar pacato, ricos e pobres parecem viver tranquilamente, e apenas um departamento de segurança – aos cuidados de um xerife – dá conta dos poucos crimes ocorridos ali. Tudo isso muda na manhã de 24 de fevereiro de 1989, quando Pete Martell, um senhor de meia idade, encontra um corpo envolto em saco plástico. Ao chegar no local e desembrulhar o corpo, o xerife Harry S. Truman identifica o cadáver: é a jovem Laura Palmer; querida por todo mundo, envolvida em ações em prol da comunidade, considerada um exemplo de beleza e carisma. Uma garota acima de qualquer suspeita, morta de uma maneira brutal após desaparecer durante uma noite.
Frente a um mistério que intriga e comove toda a cidade, o departamento de polícia recorre ao FBI para investigar o caso. Entra em cena o agente especial que você respeita: Dale Cooper é um cara que, à primeira vista, você pode achar meio doido ou fora da casinha. E, bem, ele é um pouquinho mesmo. Mas essa é a característica que nos cativa no agente: ele não tem aquela empáfia estereotipada que o coloca acima de tudo e todos. Ele é um cara comum, que adora café e uma boa torta de cereja, e registra tudo o que faz ou pensa no gravador, para a assistente Diane (que, a princípio, não sabemos se é uma pessoa ou só um nome dado ao gravador).
Dale chega em Twin Peaks com a intrincada missão de auxiliar a polícia no crime mais complicado que eles já enfrentaram, e acaba ficando amigo dos policiais e do xerife Truman. Mas não pensem que ser amigo do povo todo acaba desviando Cooper de seu trabalho. Ele é o cara mais profissional que a gente já viu, e mesmo não tendo pose de arrogante, mantém o controle da investigação como ninguém.
A partir daí, a série acompanha a investigação em torno da morte de Laura, e a cada interrogatório com as pessoas próximas à jovem, vamos descobrindo que aquelas aparências de cidade pacata e moradores certinhos não passavam de uma bela fachada. Rolam várias traições, interesses em tomar a posse alheia, violência contra a mulher, perversão e prostituição, dentre outros problemas pesados que conectam a comunidade discretamente…até o crime trazer tudo à tona.
Não vou revelar spoilers sobre “quem fez o quê” em Twin Peaks, porque essa é uma das partes que mais vêm me prendendo: as pessoas se revelam aos poucos, de forma realista, e a narrativa nos mantém tão informados quanto o agente Cooper. Ele representa, dentro da série, cada um dos espectadores que queriam entrar nessa cidade e sair buscando por respostas.
Mas se você pensa que as únicas questões abordadas nessa história são relativas ao assassinato de Laura Palmer, prepare-se para ser seriamente trollad@ pelos criadores Lynch e Frost. O mistério investigativo imaginado por eles era só o mote inicial para a série. Conforme você vai assistindo, começa a entender que o assassinato da guria fez parte de algo muito, mas muito maior. Algo que transcende as fronteiras desse mundo e exige muito mais do que exames forenses ou interrogatórios para ser descoberto. E aí, meus amores, o agente Cooper é ainda mais O CARA para esse caso: ele não é apenas uma máquina de deduções, um cérebro mecânico que sabe o quanto 2+2 são 4. Ele compreende o surreal que permeia a cidade de Twin Peaks e humaniza a investigação, por enxergar os moradores – e suspeitos – com uma mente mais aberta para diferentes interpretações do que cada pessoa diz ter visto ou feito.
A série foi transmitida originalmente no canal ABC entre 1990 e 1991, e rendeu ainda um filme em estilo prequel em 1992, onde era explicado tudo que aconteceu com Laura antes de sua morte. Em 2017, uma terceira temporada veio para esclarecer – e bugar ainda mais – a compreensão dos fãs, e nem preciso dizer que já estou ansiosa demais para conferi-la na Netflix, né mores?!
Com seus personagens excêntricos, que incluem uma senhora que conversa com um tronco, um psiquiatra psicodélico e um policial que chora copiosamente ao ver um cadáver, Twin Peaks chamou a atenção do público norte-americano pela complexidade da trama e ausência de uma moral da história, já habitual em outras obras da época. A televisão, até a década de 90, mostrava algo e explicava o que acabou de mostrar ao espectador. Em Twin Peaks, o que se vê é uma abordagem descompromissada com qualquer explicação e, até mesmo, com a realidade; levando em conta que os mundos real e surreal coexistem na cidade.
O formato inédito proposto pela série – e o enorme sucesso dele – inspirou futuras obras televisivas como Arquivo X, The Sopranos, True Detective e mesmo a atual Stranger Things. Em vários artigos por aí, se comenta até que a obra de Lynch e Frost influenciou toda a produção televisiva a partir de sua criação, modificando a forma como os criadores de conteúdo pensam em suas histórias e as entregam ao público. Além de todo esse legado para a TV, Twin Peaks rendeu vários livros e serviu como inspiração até na moda: em 2013, a marca Sucker Apparel lançou uma coleção de roupas trabalhada em elementos característicos do plot principal, e a marca Louboutin lançou uma clutch (aquelas bolsas compactas) inspirada na duplicidade de Laura Palmer. Até mesmo nos videogames Twin Peaks marcou história. O surrealismo e o desenvolvimento do mistério, pela visão diferenciada de David Lynch, serviram de fonte inspiradora na criação de jogos como The Legend Of Zelda (o primeiro da franquia), Mizzurna Falls, Alan Wake e Rainy Woods (que ficou conhecido posteriormente como Deadly Premonitions).
Falando em aspectos mais “técnicos”, dos quais não entendo profissionalmente mas observo como espectadora, a série é uma obra de arte. A fotografia nos transporta ao lugar pacato e, enquanto ficamos encantados com a paisagem tranquila das árvores e das ruas sem movimento, um golpe de câmera nos coloca em uma cena surrealista, de “outro mundo”, cheia de tensão. Essa mistura de atmosferas é uma forte característica de Twin Peaks, ao ponto de dificultar seu encaixe em um único gênero como série televisiva: em um único episódio, temos drops de mistério, terror, romance, comédia, drama, surrealismo, investigação policial e plots meio novelescos. Falando assim parece uma bagunça, mas a arte da direção de Lynch está em fazer com que cada clima se encaixe perfeitamente, nos pouco mais de 40 minutos de cada episódio. É surpreendente, e não deve ser algo fácil de conectar em uma trama de (originalmente, antes do retorno) duas temporadas. Palmas para o cara!
Não sei dizer ao certo quando foi que Twin Peaks chamou a minha atenção pela primeira vez, mas sei que não demorou muito até que eu fosse fisgada para o drama da família Palmer. A música de abertura – assim como toda a trilha produzida por Angelo Badalamenti – me impactou desde a primeira cena. Fiquei horas maratonando episódios e pesquisando sobre as teorias que envolvem o universo particular contido nessa pequena cidade fictícia. E o mais louco é que, antes de assistir a série, eu morria de medo de não entender alguma coisa, ou de achar o surrealismo desnecessário. Mas agora eu entendo o propósito da direção de David Lynch. A ”moral” é que tudo deve ter algum porquê nessa série; e mesmo que algo fique em aberto, a ideia é não se preocupar com isso, deixando-se levar pela experiência de assistir uma história bem alicerçada, mas livre para voar na criatividade de seu diretor.
Fica aqui um convite aos leitores do Pausa Para um Café: o que você acha de conhecer a cidade de Twin Peaks, comer uma bela torta de cereja e beber um “damn fine coffee”, sem se preocupar com o Black Lodge?
Ah, e se você não entendeu as referências, o convite é um pouquinho mais direto: o que você acha de se deixar conquistar por uma das maiores séries da história da televisão?
Agora me conta, ficou ansioso para assistir?
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