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Libertação com L de literatura

Continuando a série especial de posts inspirados na campanha Janeiro Branco, venho hoje conversar com vocês sobre a importância dos livros no nosso bem estar. Peço licença, inclusive, para exemplificar algumas coisas com a minha própria experiência como leitora.

Aos 11 anos, eu entendi que tinha depressão. Para aceitar que precisava de tratamento, levei quase uma década, vivida em seus altos e baixos. Mesmo sendo uma entusiasta dos livros desde pequena, meu acesso frequente a eles se deu a partir dos meus 19 anos, pela biblioteca da universidade em que estudava. Eu me refugiava entre os livros para esquecer as crises relacionadas ao meu curso ou apenas para desbravar aquele estoque quase infinito de novas histórias e ensinamentos. Comecei buscando pelas leituras obrigatórias das cadeiras (matérias) que cursava e por obras incríveis de Jornalismo Literário como A Sangue Frio, de Truman Capote, e Hiroshima, de John Hersey. À medida que eu observava a organização das estantes, outros títulos iam me instigando. Graças a PUCRS, conheci obras de Virginia Woolf, Guy de Maupassant, J.D. Salinger, Martha Medeiros, Ray Bradbury, Ernest Hemingway e Luis Fernando Verissimo.

Coincidentemente (ou não), o período em que comecei a explorar tantos enfoques diferentes sobre os seres humanos foi, também, o período em que me dei conta de que a minha depressão precisava, e muito, de um tratamento correto e externo. Aí está, pelo menos para mim, uma das coisas mais incríveis na literatura (incluindo obras de não ficção). Ela é capaz de nos colocar no papel do outro, nos tirar da bolha que é o nosso cotidiano e nossas conexões humanas. Assim, nos posiciona em outros cenários, outras formas de pensar e agir, outros problemas, medos e sensações que talvez nunca vivêssemos em nossa própria pele (ou, ainda, personagens que talvez passem pela mesma situação do leitor). Os livros nos ajudam naquilo que chamamos de “abrir a mente”, sendo esse um processo essencial para que possamos compreender os seres humanos, o mundo que nos rodeia e, ainda, nossas próprias questões psicológicas. No meu caso, ler sobre outras vivências e sobre outros personagens depressivos acendeu uma nova luz sobre o meu problema, mudando a minha forma de encará-lo.

A mente aberta herdada das experiências literárias acarreta, ainda, outros ganhos pessoais, como o respeito às diferenças, a quebra de preconceitos e a renúncia àqueles padrões sociais que nos aprisionam. Dentre esses padrões sufocantes, estão os que pregam uma falsa felicidade ininterrupta (olá, redes sociais!) e a obrigação velada em manter nosso sofrimento em silêncio, um combo que só traz prejuízos à nossa saúde mental.

Na busca pela libertação de tantas amarras sociais e por uma mente mais leve em relação a nós mesmos, as obras literárias servem como (uma de várias possíveis) fontes de amparo. Desde os óbvios livros de referência em determinado assunto até uma história young adult, e mesmo considerando apenas a atitude de se entregar à uma boa leitura, é certa a aquisição de algum novo conhecimento ou questionamento ativo a respeito de nós mesmos. Esse questionamento interior, quando construtivo e livre de pressões alheias, põe nossos pensamentos em ordem. Falando por mim, esse tipo de questionamento já resultou em decisões importantes e, em alguns momentos, me impulsionou a parar de me importar com o que (ou com quem) não valia a pena, pura e simplesmente.

Antes mesmo de recorrer à literatura ou a qualquer outra forma cultural de “escape dos problemas”, é necessário deixar algo claro: precisamos, e muito, dar mais importância à nossa saúde mental; assim como damos valor ao nosso corpo, ao ponto de fazer exercícios. Se eu me conscientizasse disso lá nos meus 11 anos, teria poupado a mim mesma de muitas outras crises, mas outra coisinha que descobri nesse meio tempo foi que nunca é tarde para colocarmos o pé no freio e revermos as nossas “certezas”. Nunca é tarde para que possamos mudar o que não gostamos em nossa personalidade, para nos afastarmos de pessoas e ideias tóxicas, para procurarmos por auxílio profissional ou conversarmos sobre a nossa saúde mental com algum conhecido que possa nos ajudar.

O aspecto psicológico tem tanta importância quanto o físico nos seres humanos, e não conseguimos nos sentir plenos sem que ambos estejam em boa sintonia. Qualquer forma de julgamento depreciativo a respeito da ajuda psicológica só serve para atrasar uma cura ou, ao menos, uma convivência tranquila com a depressão, a ansiedade e os outros transtornos que fazem parte do cotidiano de muita gente.

Acredito que a palavra chave nesse post seja a ideia da libertação. Simbólica ou literal. Os seres humanos, no geral, buscam os livros pelas experiências e pelos aprendizados. Nesse transporte para outro ambiente, podemos nos libertar dos nossos problemas – a curto prazo – e do desconhecimento – a longo prazo. Assim como a literatura pode nos ajudar a compreender quem somos e como vivemos em sociedade, a desmitificação dos problemas psicológicos, dentro e fora dos livros, nos ajuda a conviver com essas questões sem nos sentirmos afetados por preconceitos infundados. Libertando-nos, assim, das amarras e medos que colocamos sobre nossos próprios ombros.

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