Neste mês de abril de 2019, será lançado o décimo primeiro capítulo na cronologia oficial da franquia Mortal Kombat. O primeiro jogo da franquia foi lançado há 27 anos atrás, em 1992 e foi, para muitos, o principal título a dar origem ao ESRB, órgão estadunidense que classifica para qual idade determinados jogos são indicados. O debate sobre violência nos videogames começou de fato depois desse ponto na história, e é sobre isso que gostaria de conversar hoje, tendo como plano central o Brasil.
Como já dizia Tom Jobim, o Brasil não é para principiantes. Nós temos uma cultura que é agressivamente contraditória em algumas questões. Para os leitores que não viveram os anos 90, vou lhes servir de guia: tínhamos o Domingo Legal, programa liderado por Gugu Liberato e que tinha, como principal atração, a “Banheira do Gugu”, onde famosos se digladiavam com mulheres de roupas de banho para conseguir pegar o maior número de sabonetes dentro de um limite de tempo. Era comum que a roupa dessas mulheres caísse ou que, após um certo tempo, ficassem tão molhadas que era possível ver suas partes íntimas. Repito, isso tudo em horário nobre, em pleno domingo, ao vivo, para todo Brasil. Contudo, era inapropriado, indecente e feria a moral e bons costumes da família brasileira falar sobre sexo, ensinar sobre os perigos do sexo desprotegido e, deus nos “dibre” de ter aquela conversa sobre sexo em casa.
Nós tivemos, derivados de décadas passadas, um desenho animado do Rambo! Sim, aquele personagem do Sylvester Stallone que era um veterano do Vietnã, com sérios danos na saúde mental e que teve um belo primeiro filme que comentava sobre as cicatrizes daquela guerra em seus veteranos. Ah, e que também era (e é, terá seu último filme ainda este ano) uma máquina de matar. Nós tínhamos o costume de poder ver violência em qualquer lugar, Filmes, novelas, desenhos, brinquedos. Se você viveu nos anos 90, grandes são as chances de você ter se deparado com produtos que tinham um cunho violento. Até o psicólogo que vos escreve teve o primeiro contato com Mortal Kombat em 1994, no fliperama do bairro. Lembro-me de ter conseguido efetuar o Fatality do personagem Kano sem querer e fiquei em choque quando vi o personagem mais real para os jogos da minha época arrancar o coração do peito de seu adversário e mostra-lo como troféu. Ainda referente a minha infância, já tive um revólver de espoleta do Rambo, assisti a época não censurada (e altamente sanguinolenta) de Cavaleiros do Zodíaco, além de assistir filmes violentos em horários até que acessíveis para crianças. Não fui afetado por essas experiências, não fui dessensibilizado quanto a violência e não sai arrancando a cabeça dos meus amigos, contudo, seria imprudente, quaso criminoso, da minha parte assumir que só porque não aconteceu comigo, não aconteceu com ninguém.
Existe sim um argumento que indica a dessensibilização de uma pessoa quando esta é constantemente exposta a violência de qualquer natureza. A construção da sua personalidade requer interação com o meio. Se você se desenvolve em um lar violento, com estímulos violentos, programas violentos, jogos violentos, presencia violência, dentre outros cenários, as chances de você crescer em um adulto pacífico, racional e ponderado são muito baixas. E claro, é sempre bom lembrar que violência não é apenas agressão física, humilhar, ofender, oprimir, dentre outros aspectos verbais também são violência. Muitos de nós não tiveram a mediação necessária neste mundo de violência, nudez e propaganda agressiva. Talvez você que esteja lendo também foi exposto a altas doses de comportamento nocivo e não cresceu querendo atirar em escolas. A mudança do século trouxe uma reviravolta cultural gigantesca e isso é ótimo. Hoje temos debates sobre violência que alcançam cada vez mais pessoas, temos classificação etária para as diferentes mídias, maiores restrições dos jovens a terem acesso a lugares ou produtos nocivos, etc. Contudo, por que ainda existe uma cruzada moral contra violência?
A cultura evolui, as coisas mudam, contudo, muitos ainda ficam marginalizados nessa discussão. Temos muitos pesquisadores falando sobre violência, da necessidade psicológica deste fenômeno em nossas vidas, ainda assim, a violência é vista de forma maniqueísta, aliás, tudo ainda é visto dessa forma. Esquerda e direita, bem e mal, céu e inferno, bandido e herói, impróprio e adequado. É psicologicamente mais fácil ver o mundo desta forma, ter vilões claros a serem combatidos, reduzir a complexidade da realidade para caber dentro de uma cabeça incapaz de conceber as rápidas e grandiosas mudanças que acontecem diariamente.
Mortal Kombat estremeceu o mundo quando foi lançado no início dos anos 90. Hoje, quase trinta anos depois, com uma visão diferente, mas cada vez mais “criativo” em sua violência, ele chegará em um mundo que ainda não aprendeu a discutir violência, que cria tabus sobre assuntos que temem e que tentam, de todas as formas possíveis, incluindo o negacionismo, se proteger de quaisquer que sejam as possíveis frustrações que a vida pode causar. Raiden quis unir os guerreiros mais fortes da Terra para protege-la das tentativas de invasões de outros reinos, contudo, nós parecemos ser teimosos em querer nos afastar uns dos outros.