“Preciso reconstruir a história do nosso amor, apreender todo seu significado. Ela foi o que permitiu que nos tornássemos o que somos; um pelo outro, um para o outro. Eu lhe escrevo para entender o que vivi, o que vivemos juntos.”
Este é o último livro do filósofo francês André Gorz, escrito para homenagear sua mulher, Dorine, com quem partilhou a vida por quase sessenta anos. O casal foi muito ativo política e intelectualmente, mas Carta a D conta uma grande história de amor e companheirismo. Após terem se conhecido em Lausanne na Suíça, numa noite de neve, em outubro de 1947, nunca mais se separaram.
André era judeu e como muitos da sua época, teve que se exilar em outros paíse para se proteger da perseguição nazista. Era um dos intelectuais do Existencialismo Marxista, juntamente com Jean-Paul Sartre. Gorz era um crítico radical da mercantilização das relações sociais, contrário à crença no trabalho assalariado, além de ser autor de vários livros sobre ecologia. Depois de romper com a ideologia ficou conhecido como um dos grandes teóricos da Ecologia Política.
Desde o início da década de 90 Górz vivia em retiro com Dorine, que sofria havia anos, de uma doença degenerativa. A carta tem um tom de retratação, onde ele se desculpa de como a retratara em um livro anterior, em que ele havia descrito-a como frágil e dependente dele, quando a verdade era totalmente o contrário. Na carta ele reconta a história de amor deles, para se desculpa de todas as vezes que ele subjugou-a.
“Por que então eu pareço estar tão certo de que a nossa separação seria mais suportável para você do que para mim? Para não confessar o contrário? Por que, afinal, eu disse ser responsável ser o responsável pelo rumo que a [sua] vida tomava, e que cabia a mim “tornar a [sua] vida possível”? Ao todo, onze linhas de veneno em três doses, distribuídas em vinte páginas, três pequenos toques que a diminuem e a desfiguram, escritas sete anos depois; e que nos roubam o significado de sete anos da nossa vida.”
A carta é linda mas muito pesarosa, apesar de ser uma declaração de amor, o tom da missiva é triste e angustiado. André se culpa por tê-la inibido, por não ter conhecido antes a importância da história deles. Ele se culpa por ter dado demasiada importância a vida externa ao casal, e a exalta como impecável companheira e cúmplice, e que no final das contas “só uma coisa me era realmente essencial: estar com você.”
“Eu havia chegado à idade em que a gente se pergunta o que faz da própria vida, o que queria ter feito dela. Tinha a impressão de ter vivido a minha vida, de tê-la sempre observado à distância, de só ter desenvolvido um lado de mim mesmo, e de ser pobre como pessoa. Você era e sempre tinha sido mais rica que eu. Você se desenvolvia em todas as suas dimensões. Estava firme em sua vida, enquanto eu sempre me apressara a passar à minha tarefa seguinte, como se a nossa vida só fosse começar mais tarde.”
Quando ele se aposentara de uma Revista na qual escrevia, para estar com Dorine em tempo integral, assusta-se com a facilidade em que o rompimento se deu, pois nas palavras dele: “eu não posso me imaginar escrevendo se você não existir.”
Lendo Carta a D, sinto que Górz quis eternizar seu amor por Dorine, enquanto ainda tinha tempo, com a doença, se deu conta de que precisava viver plenamente para esse amor, enquanto ainda podiam. Uma escolha que Dorine, pelo que ele retratou, tinha feito desde a primeira dança juntos.
O casal cometeu suicídio em 22 de setembro de 2007; os corpos foram encontrados um ao lado do outro, e um cartaz, na porta de sua casa, pedindo que a polícia fosse avisada.
É lindo, é triste, e é difícil não se emocionar com o amor de André e Dorine. É uma história de amor real, sem firulas ou pieguismo. É história de duas pessoas que se escolherem e viveram em cumplicidade até o fim.
“(…)Eu vigio a sua respiração, minha mão toca você. Nós desejaríamos não sobreviver um à morte do outro. Dissemo-nos sempre, por impossível que seja, que, se tivéssemos uma segunda vida, iríamos querer passá-la juntos.”
Vale demais a leitura!
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