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Terra Estranha, James Baldwin

Já é quase lugar-comum quando dizemos que é difícil escrever sobre algo que gostamos muito, que todas as palavras não farão jus ao que o livro significa e tal. Bom, terei que me valer desse clichê hoje, pois nem todas as palavras desse texto conseguirão captar a complexidade de Terra Estranha, do aclamado James Baldwin. Mas darei o meu máximo para relatar a experiência de leitura e a importância desse livro.

“(…)não esqueçam: conheço muita gente que pôs fim a própria vida e que hoje anda pelas ruas, alguns pregam o evangelho, alguns estão no poder. Lembrem-se disso. Se o mundo não estivesse tão cheio de gente morta, talvez aqueles de nós que tentam viver não precisassem sofrer tanto.”

Ambientado na agitada e musical de Nova York dos anos 1950, Terra Estranha traz à baila temas como: bissexualidade e  depressão dentro de um recorte racial, explorando as relações inter-raciais, desencadeando discussões também de nacionalismo, identidade, gênero, sexualidade, etc. Tudo isso em uma época em que ninguém “ousava” falar muito sobre esses assuntos, que eram tidos tabu e até mesmo considerados imorais para os mais conservadores.

Além disso, esse livro relata histórias de amor, não somente o amor romântico, mas o amor numa visão mais ampla e ambígua, o amor entre pessoas, de uma forma comovente mas também violenta e até mesmo trágica.

Inicialmente, Terra Estranha conta a história de Rufus, um baterista negro com a carreira e a vida em decadência, totalmente sem rumo. Em algum momento ele conhece Leona, uma moça branca e sulista. Eles acabam se envolvendo, dando início a um relacionamento opressivo, violento, que os destroem e os afastam dos amigos. Mas a trama não se prende ao relacionamento deles, a narrativa vai se desenrolando em torno das relações dos personagens ligados a Rufus: Vivaldo, um homem branco, escritor em formação e seu melhor amigo; Ida, sua irmã que sonha em ser cantora; Richard e Cass, um casal branco e Eric, um ator bixessual que se mudou para a França e que mantém um relacionamento com o francês Yves, mas que teve uma história intensa com Rufus no passado.

Com essa pequena premissa, já dá pra perceber que as questões raciais e sociais ficam evidentes entre eles. Apesar dos personagens tentarem reverter ou amenizar as barreiras da segregação racial e das convenções burguesas, essas questões acabam por fazer a diferença nas relações.

Mas para entender melhor todas essas relações dos personagens e a complexidade delas, é preciso se atentar a história do próprio autor e suas vivências.

James Baldwin nasceu no Harlem, bairro negro de Nova York e pertencia a uma família religiosa. Foi criado pelo padrasto, que era um pastor rígido e que não acreditava na relação saudável entre brancos e negros. Apesar de uma convivência difícil e conturbada, James o considerava seu pai, adotando seu sobrenome. Ele estudou em uma escola composta em sua maioria por judeus. Essa formação intelectual e a convivência com esse grupo de amigos, deram início aos muitos questionamentos sobre raça e sexualidade. Alguns anos mais tarde, desiludido e com todas as adversidades financeiras e emocionais, considerou suicídio e se autoexilou na França por volta de 1948. Somente no final dos anos 50, com o crescimento do movimento dos Direitos Civis, retornou aos EUA e com sua influência artística se tornou uma importante voz dentro deste. Mas, mesmo com todo seu trabalho no movimento, a comunidade afro-americana não o reconhecia dentro do mesmo espaço por conta da sua sexualidade “duvidosa”.

Isso de ocupar um “não lugar”, faz dele um estranho na sua própria comunidade e em seu próprio país. E essa foi uma referência clara em Terra Estranha, pois todos os personagens estão em uma espécie de não lugar, são estranhos dentro da sua própria vida, e mesmo se conhecendo e mantendo forte vínculo, são  estranhos uns aos outros também, seja pela raça, pelo gênero, pela sexualidade ou pelas suas origens.

“(…)embora olhasse para eles havia tanto tempo, talvez nunca tivesse chegado a conhecê-los. O fato de que algo aconteceu não significa que a pessoa saiba por aquilo por que passou. A maioria das pessoas não viveu de fato – mas nem por isso se poderia dizer que estavam mortos – algumas situações terríveis que aconteceram com elas. Simplesmente ficaram aturdidas com o golpe. Passaram a vida numa espécie de limbo em que a dor jamais é admitida ou examinada. A grande questão com que ele se deparava nesta manhã era se ele realmente havia ou não, em algum momento, estado presente à sua própria vida.(…)”

Algo forte também no livro é a percepção dos personagens sobre a cidade de Nova York. É uma visão bem pungente, como se a cidade fosse enclausurante em toda a sua magnitude.

“Era uma cidade sem oásis, voltada unicamente, pelo menos até onde a percepção humana alcançava, para o lucro; e seus habitantes pareciam ter perdido totalmente a noção de que tinham direito de se revigorar. Em Nova York, quem tentasse exigir esse direito, vivia exilado em Nova York – exilado da vida à sua volta. E isso, paradoxalmente, levava a pessoa a correr perpetuamente o risco de se ver banida para sempre de qualquer consciência de si mesma.”

Baldwin foi um grande crítico do conceito de “sonho americano de liberdade e prosperidade”, que é basicamente a ideia de que os Estados Unidos é a terra de todos, independente de raça, classe, gênero, nacionalidade, sexualidade e por aí vai. Ele refuta essa ideia discutindo como essas questões são justamente o que fomentam o preconceito e a segregação.

“Isto não é nem de longe um país, é um monte de jogadores de futebol e de escoteiros. Covardes. Nós achamos que somos felizes. Não somos. Estamos condenados.”

Se voltarmos o olhar para o que acontece,por exemplo, com os imigrantes nos EUA e em várias partes do mundo hoje, a crítica dele se faz bem atual e contundente. Por isso acho necessário esse resgate da obra e da voz desse autor que elucidou importantes discussões acerca da natureza humana.

A Companhia das Letras comprou os direitos de publicação da obra do autor, e até agora já lançou dois em seu catálogo: Terra Estranha e O quarto de Giovanni, e apesar da crise no mercado editorial, espero que continuem trazendo os livros desse grande nome da literatura.

A edição de Terra Estranha foi traduzida por Rogério W. Galindo, com posfácios de Silviano Santiago e Alex Ratts, que funcionam como ótimos textos de apoio ao final da leitura e ajudam a esclarecer e afirmar pontos importantes da narrativa.

Uma  coisa que incomodou um pouco ao longo da leitura foram os diálogos em francês que não foram traduzidos, nem mesmo em notas de rodapé. São frase curtas que em alguns casos dava pra entender pelo contexto, mas em  outros eu precisei pesquisar os significados, e como eram recorrentes ficou um pouco cansativo parar a leitura.

Fora isso, a experiência foi incrível e recomendo demais.

Por favor, leiam James Baldwin!

Onde Comprar:
Submarino

ISBN-13: 9788535931389 | ISBN-10: 8535931384 | Ano: 2018 | Páginas: 568 | Editora: Companhia das Letras

James Baldwin foi o primeiro escritor a dizer aos brancos o que os negros americanos pensavam e sentiam. Chegou no auge de sua fama durante a luta dos direitos civis no início da década de 60. Tornou-se mais famosos pelos ensaios do que pelos romances e peças teatrais, mas apesar disso queria se tornar um ficcionista, considerando seus ensaios um trabalho menor. Nos primeiros livros estão as melhores amostras do seu talento: Go tell it on the mountain (1953), Giovanni’s room (1956) e Another country (1962). os dois últimos tornaram-no famoso como o pioneiro de uma nova liberdade sexual. Apesar de escrever e estudar sobre as correspondências entre medos sexuais e raciais, Baldwin era basicamente um puritano que professava a primazia do autoconhecimento em todas as relações humanas.

{ Esse livro foi enviado pela editora Companhia das Letras para resenha no blog. Em compromisso com o leitor, sempre informamos toda forma de publicidade realizada pelo blog 

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